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sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Superação de um erro

 Saúdo o facto de a Câmara Municipal de Oeiras se ter apressado a corrigir o gesto infeliz a que ontem aqui fiz referência crítica.

João Maria de Freitas Branco
4 de Agosto de 2023

 

 

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

APARÊNCIAS E SIGNIFICADOS DE UMA OCORRÊNCIA LAMENTÁVEL

 

Em Oeiras, concelho onde resido há mais de seis décadas, a Câmara Municipal decidiu tapar um cartaz, afixado por iniciativa de um conjunto de cidadãos, que publicitava um facto: os crimes de abuso sexual que vitimaram mais de 4.800 crianças no seio da Igreja Católica portuguesa.

Este acto censório, impróprio de uma sociedade livre, é, ao contrário do que possa parecer, prejudicial à Igreja Católica, é acção que atenta contra os interesses e contra a própria imagem da instituição religiosa; enquanto o cartaz, bem ao invés, está em perfeita sintonia com a atitude de desocultação assumida pelo papa Francisco, atitude, essa sim, que defende a Igreja, concorrendo para o reforço do autêntico espírito cristão.

A Câmara de Oeiras lesou a Igreja, desrespeitando os valores cristãos, bem como os valores democráticos em que assenta o nosso Estado laico.

Se fosse autarca oeirense, Jorge Mario Bergoglio teria levantado a voz contra o acto censório – certeza que nos é deixada pelas públicas palavras do agora papa Francisco. O Patriarcado de Lisboa devia ter tomado ele próprio a iniciativa de afixar cartazes condenatórios dos pecados (para usar termo bem católico) e em que a vontade de apoio às vítimas fosse inequivocamente enfatizada. Não o fez. Não teve esse inteligente gesto. Mas tem agora nova oportunidade: pode, em declaração pública, demarcar-se da infeliz atitude de um poder político autárquico.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 3 de Agosto de 2023


quarta-feira, 16 de novembro de 2022

José Saramago (1922-2010)

 

JOSÉ SARAMAGO (1922-2010)

O José, esse escritor tardio que dizia sermos «as palavras que usamos», estaria hoje a festejar o seu centésimo aniversário, e nós todos, amigos, camaradas, leitores, admiradores, estaríamos com ele nesse banquete de afago, fruindo a sua presença completa. Era perfeitamente possível essa presença estar a acontecer neste dia, por ser hipótese não contraditora das universais e objectivas leis naturais que determinam limites de longevidade humana. Mas como nem todo o possível se realiza, o centenário celebra-se com presença de outro tipo, mais mental do que física, mas não necessariamente menos intensa.

O maior e melhor preito que se pode prestar a um Autor literário é tornar presente a sua obra, fazê-la circular, integra-la no nosso viver quotidiano através do fomento da leitura, do estudo, da atenção reflexiva potencialmente propiciadora de outros percursos, de outros gestos criativos.

Assim sendo, quero, também aqui, nesta data especial e neste moderno espaço de comunicação pública, prestar muito sentida homenagem ao magnífico criador literário, ao intelectual inteiro, ao cidadão praticante, ao combatente, mas acima de tudo ao homem solidário, ao Amigo que já laureado com o Nobel e ocupado com os multímodos afazeres associados à justa fama planetária, ao fim de certo dia, tendo sabido de uma angustiante dificuldade com que eu me debatia, não demorou a pegar no telefone, lá longe, no ninho de Lanzarote, para me fazer chegar urgente solução prática embrulhada em um terno incentivo à superação do obstáculo. É este o tipo de atitude que sinaliza a comparência de pessoa de excelência.

Parabéns e obrigado por tudo, querido Amigo José!

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 16 de Novembro de 2022

[Texto também publicado no Facebook, na página do autor]

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Incómodo de uma entrevista a um filósofo


Por motivo fácil de adivinhar, causa-me especial apoquentação observar um filósofo a elaborar discurso pouco rigoroso, impreciso, distanciada da racionalidade e, por isso, gerador de confusão. Foi esse tipo de incómodo que brotou em mim ao assistir à entrevista televisiva dada pelo filósofo José Gil ontem, dia 1 de Junho, à RTP3 (no programa “Grande Entrevista”).

Centrando-se na questão da guerra na Ucrânia, José Gil afirmou que os russos exercem «uma violência que é comparável à exercida [pelos nazis] sobre os judeus». E acrescentou: «Mariupol e outras cidades [ucranianas] são comparáveis a campos de concentração, a campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau; […] O que se está a passar é um genocídio […], é acabar com um povo. Até se passearam fornos crematórios em camiões russos».

Asserções deste teor traem a função intelectual e cívica do sujeito filósofo agindo no quadro de uma sociedade histórica concreta.

O III Reich (Das Dritte Reich, 1933-1945, ou Grossdeutsches Reich, a partir de 1943) foi um fenómeno absolutamente singular na história da Humanidade; qualitativa e quantitativamente sem paralelo com nenhum outro acontecimento histórico.  

A condenação inequívoca da invasão da Ucrânia pela Rússia é de certa forma um imperativo imediato “pré-político”, no sentido em que o juízo moral antecede o puro juízo político, embora sendo sempre, ao cabo de contas, um juízo ético-político. Mas isso não justifica nem pode justificar uma parcialidade tão destemperada como a exibida em afirmações como as aqui transcritas.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 2 de Junho de 2022

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 14 de maio de 2022

Perigoso contentamento

 

Perigoso contentamento

 

Nas últimas 48 horas temos assistido a infindáveis manifestações de contentamento pelo facto de a Finlândia e a Suécia pretenderem aderir à NATO (responsáveis políticos ocidentais, comentadores, jornalistas, em coro afinado). Há poucas horas, o Partido Social-Democrata da Finlândia, a que pertence a primeira-ministra finlandesa Sanna Marin, anunciou com entusiasmo o seu amplo apoio à candidatura do país à NATO (os 60 membros da direcção partidária votaram por larga maioria favoravelmente à candidatura: 53 votos a favor e apenas 5 votos contra).

Não consigo acompanhar esta satisfação generalizada.

Alguns vão ficar horrorizados, sei bem; mas não deixo de declarar abertamente que, neste particular, concordo com a opinião de Putin, o tirano neofascista e imperialista que delineou cuidadosamente um plano de combate contra a civilização ocidental (em processo de decadência) e em defesa da revitalização da Rússia imperial. É um “erro”. Foi a curta resposta telefónica de Putin ao presidente finlandês, Sauli Niinistö, há poucas horas.

Se muito não erro, a decisão anunciada representa um passo na direcção errada. Em vez de um esforço da atenuação da conflitualidade ameaçadora da paz mundial, representa a passagem para um patamar de maior conflitualidade. Militariza-se a diplomacia coerciva. Alimenta-se a fornalha bélica.

Posso estar enganado, como sempre, mas a decisão da Finlândia parece-me favorecer os interesses do governo de Moscovo. Fornece os ingredientes essenciais ao processo de mobilização global da Mãe Pátria, da grande Pátria russa. É o que Putin precisa.

Os servidores da tirania russa não perderam tempo. Há pouco mais de duas horas Serguei Lavrov afirmou numa conferência de imprensa:

                                    «O Ocidente declarou a guerra total à Rússia».

Recomendo que se escute com muita atenção o teor completo das declarações do ministro dos negócios estrangeiros, Serguei Lavrov, em que este também refere a organização deliberada da “russofobia” (conferência de imprensa de hoje, 14 de Maio de 2022).

Os dirigentes políticos ocidentais não mostram estar à altura dos acontecimentos históricos em curso e continuam a brincar com o fogo. Talvez convenha não esquecer que a falta de qualidade dos líderes políticos foi uma das causas da I Guerra Mundial.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 14 de Maio de 2022

 

 

 


segunda-feira, 25 de abril de 2022

Respostas em defesa de três pessoas

 

Manifestar publica discordância com a posição do PCP relativamente à invasão da Ucrânia ou analisar a guerra numa óptica não absolutamente coincidente com a do governo e do exército ucranianos tem dado azo a desagradáveis ataques pessoais. Nas últimas horas, publiquei no Facebook, mas em páginas alheias (a dos amigos Maria Isabel Santos Isidoro e João Paulo Oliveira), dois escritos motivados por ataques, de que tive conhecimento por várias vias, dirigidos a Ricardo Araújo Pereira, José Pacheco Pereira e ao major-general Carlos Branco (que tem comentado a situação na Ucrânia na CNN-Portugal e em outros órgãos de comunicação). Transponho agora aqui para o blog e também para a minha página do Facebook esses meus dois escritos, em que assumo, por diferentes razões, a defesa dos visados. Para uma melhor contextualização será necessário visitar as páginas antes indicadas.

 

Texto 1

José…, não creio que a Isabel concorde com os teus exemplos... O Ricardo Araújo Pereira é cidadão que há muito vota no PCP; mas nenhum cidadão eleitor está obrigado a concordar com todas as posições políticas assumidas pelo partido em que votou. Apoiar um partido não deve ser um acto de fé, um gesto ditado pela crença. Hoje mesmo, dia 25 de Abril, o PCP interveio na AR colocando a tónica no "combate ao pensamento único", pelo que deverá aceitar que quem, como o Ricardo, nele votou, possa pensar de forma diferente e criticar o PCP relativamente a uma questão actual concreta: a posição face à invasão da Ucrânia e à guerra em curso nesse território. O PCP é o único partido português genuinamente enraizado na terra dos humilhados e ofendidos, para utilizar expressão do meu caro Dostoievski. É no espaço político institucional do PCP (com destaque para os sindicatos) que o mundo do trabalho, que os humilhados e ofendidos deste nosso Portugal se vêem mais autenticamente representados. Tenho motivos para acreditar que o Ricardo Araújo Pereira (que me choca ver ser por ti chamado de "palhaço rico") subscreve esta minha velha opinião. Eu, ele e muitos outros na área da "esquerda radical" (como agora se diz, com má intenção mas involuntário rigor) consideramos que a posição do PCP face à agressão bélica da Rússia à Ucrânia é eticamente reprovável, politicamente incorrecta e até completamente disparatada (excepção à regra a que o partido nos habituou). Esta crítica racional em nada invalida a minha anterior declaração sobre o histórico papel de representação de um sector da sociedade portuguesa. Quanto ao José Pacheco Pereira, limito-me a recordar que é um muito sério e competente historiador que tem desenvolvido vasto trabalho de investigação historiográfica sobre o PCP e sobre a biografia política de Álvaro Cunhal, para além da nobre defesa da Memória através do notável arquivo "Ephemera". Temos tema para muitas conversas não virtuais. Esta transposição hodierna do diálogo interpessoal para a esfera virtual, quase anulando a vivência real, é um dos problemas sérios do mundo contemporâneo. Mais um a convocar o nosso filosofar. […]

 

 

Texto 2

João…, conheço pessoalmente o major-general Carlos Branco. É um homem sério, cidadão praticante, com experiência directa desse tremendo fenómeno que é a guerra e conhecedor do peso da desinformação em contexto bélico; tem sido, por isso, exemplo de esforço de elaboração de análises racionais, tão objectivas quanto possível neste momento em que a guerra ainda rola, e introduzindo o exercício dubitativo – atitude que particularmente estimo, dado ser eu um profissional da dúvida. Tem tido a humildade de reconhecer erros ou imperfeições nos seus comentários públicos – outra atitude do meu especial agrado (também por imposição de ofício). Lamento os ataques de que tem sido vítima.

João Maria de Freitas Branco

 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Madalena Sá e Costa

 

MADALENA SÁ E COSTA (1915-2022)

Durante a tarde deste dia 18 de Abril chegou-me a amarga notícia do falecimento de Madalena Sá e Costa, violoncelista aclamada e notável professora, verdadeira personalidade artística que em tanto concorreu para o enriquecimento do meio musical português.

Há alguns anos, na minha então qualidade de presidente do Ginásio Ópera, tive o gosto de organizar, em Lisboa, no Palácio Foz, uma sessão de homenagem a Madalena Sá e Costa, evocando a sua carreira de violoncelista e pedagoga. As nossas famílias estiveram ligadas ao longo de várias gerações, e tive a satisfação de com ela participar em diversas iniciativas culturais, nomeadamente em várias edições do Concurso de Instrumentos de Arco Júlio Cardona, organizado por um nosso amigo comum, o incansável Manuel Campos Costa (delegado da JMP da Covilhã), o que regularmente nos proporcionava tempo alargado de agradável convívio. Nas conversas que mantivemos, Pedro de Freitas Branco (meu tio-avô) era reiteradamente evocado como tendo sido um dos maestros com quem mais gostara de trabalhar.

Na cidade do Porto, fui beneficiário da generosa e muito amiga hospitalidade das irmãs Helena e Madalena Sá e Costa, fruindo a singular ambiência cultural da casa de porta verde do Largo da Paz – toponímia certeira, pois aí, entre as paredes desse domicílio que é uma espécie de templo da música, respirava-se o puro ar da paz culta gerada pela criatividade artística e intelectual. Guardarei para sempre a cara memória das animadas, afáveis e muito enriquecedoras conversas que aí tive com as duas Artistas: a pianista, falecida em 2006, e a violoncelista que agora nos deixou.

Para mim, este doloroso momento é, essencialmente, o da perda de uma Amiga, pessoa que, para lá do valor artístico, sempre muito estimei pela bondade, honestidade, finura que punha em tudo o que fazia, cultivando uma verdadeira aristocracia de sentimentos.

Aos filhos, Henrique Gomes de Araújo e Helena Araújo, aqui deixo um muito sentido abraço de pêsames.

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 18 de Abril de 2022

 

NOTA: Este texto começou por ser parcialmente publicado no Facebook.