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segunda-feira, 24 de maio de 2010

José Mourinho

No passado sábado, dia 22 de Maio, o nosso José Mourinho tornou-se um dos raros treinadores a vencer a Liga dos Campeões Europeus com dois clubes diferentes, consolidando assim a sua fama de “special one”. Se muito não erro, com esta nova vitória, Mourinho abriu caminho para devir uma figura lendária na história do jogo de futebol. Neste momento, julgo fazer sentido afirmar que ele criou um segundo catenaccio, a que talvez se possa chamar catenaccio paradoxal, uma vez que sendo defensivo, por definição, é também ofensivo. Um catenaccio ofensivo. Mas não é difícil imaginar que, num futuro próximo, ele ainda nos legue inovações tácticas mais notórias.
Mourinho é aqui chamado à colação porque constitui um útil e paradigmático exemplo de acção racional, embora no mundo da paixão pelo desporto-rei haja quem esteja convencido do contrário. O modelo de liderança causador do seu grande sucesso desportivo é eminentemente racional. Mesmo à distância, é fácil perceber tratar-se de alguém que continuamente pensa o jogo, analisando todas as suas componentes, incluindo as não puramente desportivas. Toda a sua acção enquanto treinador é acção pensada.
Na mesma altura em que Mourinho alcança esta vitória especial que lhe confere um novo estatuto (o de treinador recordista), surge nos escaparates das livrarias o livro Mourinho a descoberta guiada da autoria de Luís Lourenço, amigo pessoal do treinador. Nesta obra analisa-se o processo de criação e gestão de equipas de sucesso (equipas de alto rendimento, tanto no plano desportivo como empresarial). Luís Lourenço estuda o caso Mourinho e conclui estarmos perante um modelo de liderança aplicável a muitos outros domínios de actividade, nomeadamente, e desde logo, à esfera da gestão empresarial. Trata-se de um estudo interessante e bem fundamentado, em que se sente a saudável influência filosófica de Manuel Sérgio, professor de Mourinho no ISEF.
Porém, na página 99 do livro deparei com um parágrafo com o qual discordo em absoluto e que contradiz o antes afirmado nesse mesmo livro. Lê-se aí o seguinte: «Temos […] a descrição daquilo que Mourinho considera ser a sua forma estrutural de motivar os seus jogadores. Não é nada pensado, tudo é genuíno. Porque o que é decisivo no homem é o sentimento, a emoção, não o pensamento – é a partir do coração que a realidade se realiza e não a partir da razão.» É, digo agora eu, exactamente o contrário: tudo é pensado, tudo está sujeito a reflexão permanente, tudo é cuidadosamente analisado. Nesta infeliz passagem do seu interessante estudo Luís Lourenço deixa-se contaminar por um velho e persistente vício de pensamento que consiste em divorciar a razão da emoção. Trata-se de um erro tradicional. Defeito que, confesso, se vai tornando para mim cada vez mais insuportável. Um espírito racional não é pessoa destituída de paixões, incapaz de ter impulsos, reacções espontâneas ou variegados tipos de embriaguezes. Um ser humano cultivador da racionalidade, o homem clássico, possui, como qualquer outro, os impulsos naturais próprios da espécie. A diferença é que, para além desses, possui em grau inusual o instinto racional. Entre nós foi António Sérgio quem melhor disse esta verdade essencial teimosamente ignorada por quase todos neste torrão de poetas: «a Razão – dizia ele – é o instinto, a fé, o pre-conceito, da penetrabilidade das coisas pela lucidez mental.» É esse essencial instinto que encontramos bem vivo e activo no homem treinador José Mourinho, mesmo que possa não estar absolutamente consciente disso. Como inspiradamente dizia o mesmo Sérgio, o clássico «é uma fúria estruturada». Disso mesmo é Mourinho magnífico exemplo. Ele, treinador racionalista, é, por isso mesmo, por ser racionalista, é fúria estruturada. É isso o espírito racional, e não uma ausência inumana de emoções ou de paixões. Quanto tempo faltará ainda para que a generalidade das pessoas compreenda isto?
O parágrafo que acima citei, objecto da minha discordância no interior de uma prosa analítica que apreciei, é particularmente surpreendente porquanto denega o demonstrado em capítulos anteriores do livro. De forma consistente, bem informada, utilizando depoimentos do próprio treinador, Luís Lourenço põe em evidência o instinto racional (assim lhe chamo eu). Por exemplo, quando analisa detalhadamente o que se passou no Emirates Stadium, no dia 6 de Maio de 2007. O momento da primeira grande derrota de Mourinho com visibilidade internacional: o empate do Chelsea com o Arsenal e a consequente entrega do título de campeão de Inglaterra ao Manchester United (o Man Utd). É notório como Mourinho tinha essa hipótese cuidadosamente pensada. E no momento da derrota, como Lourenço mostra, ele começa a preparação para o próximo jogo (que era a final da Taça de Inglaterra, tendo como adversário o Man Utd.), evitando assim que os seus jogadores ficassem enleados no desânimo de uma derrota e superando ou minimizando de imediato prováveis danos psicológicos. «E aquilo que, em muitos casos, seria uma hora de silêncio, de baixar de braços, de desalento, transformou-se, afinal, numa celebração»(Lourenço, p.19). Aqui está a fúria estruturada em acção.
Outro esplêndido exemplo de racionalidade, de instinto racional, é-nos dado nas páginas 42, 43 e 44 em torno da forma como o treinador analisa a velocidade como factor do jogo. O discurso não pode ser mais racional: «[…] um jogador lento do ponto de vista tradicional é, afinal, um jogador rápido numa perspectiva complexa, porque se vai deslocar numa altura em que os outros não esperam, num momento correcto, num momento em que o companheiro com a bola precisa que ele se desloque. Desta forma, tudo isto é complexidade e o homem é um todo complexo no seu contexto. Por isso, trabalhar qualidades individualizadas e/ou descontextualizadas da complexidade do jogo é, para mim, um erro grave».
Em face do que aqui ficou dito, atrevo-me a sugerir ao autor que, numa eventual 2ª edição da obra, refaça o parágrafo da página 99 acima citado, apagando o que me parece ser uma incoerência.
Para quem goste de futebol, se interesse pelo fenómeno da liderança e da gestão de equipas de alto rendimento e, principalmente, para quem se interesse pelo case study José Mourinho recomendo a leitura deste último livro de Luís Lourenço acabado de publicar sob a chancela da Prime Books ( www.primebooks.pt ).

2 comentários:

  1. Partilho da sua apreciação

    Convido-o a ler a carta aberta que dirigi ao JM

    Abraço

    http://conversavinagrada.blogspot.com/2010/05/carta-aberta-jose-mourinho.html

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  2. Caríssimos, embora não concorde c/ tudo o que se diz, escolhi este tema p levar uma palavra até ao João, um Amigo de longa data
    Mourinho (não gosto de siglas) a quem conheci em miudo, por ser filho do keeper do Belém e andar por lá a observar tudo o que se passava, Mourinho, dizia eu,era já um "Grego" no pensar e observar. Tem tambem uma boa equipa a apoiá-lo
    Forte abraço
    Francisco Tavora

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