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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Desgoverno


 Com a sua habitual lucidez de intelectual autêntico, Eugénio Lisboa, destacada figura da nossa cultura que tem a generosidade de ser meu amigo, tendo tido até a bondade de se ocupar da apresentação pública de um dos meus últimos livros (Agostinho da Silva: um perfil filosófico, editado pela Zéfiro), tomou recentemente a iniciativa de escrever uma carta aberta ao Senhor Primeiro-Ministro do Governo que, de momento, de forma legal mas ilegitimamente nos desgoverna. Pela justeza do que aí é afirmado, assim como pelo recorte literário de rara mestria que serve esse conteúdo crítico-opinativo, aqui transcrevo um trecho dessa escrita epistolar que bem merece leitura integral na página do Facebook da “Associação 25 de Abril”. A minha transcrição é ao mesmo tempo manifestação de apoio, homenagem e convite para essa leitura completa.

Escreve o sábio Amigo Eugénio Lisboa o seguinte:  

«Todo o discurso político de V.Exas, os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos [aos menos jovens] para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal : subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.»

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