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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Eleições Europeias -- Dúvidas para uma solução


No meio de todas as divergências, antagonismos, desconfianças, ódios que existem entre os partidos políticos com assento parlamentar houve na campanha eleitoral para as Europeias um elemento absolutamente consensual, algo que os uniu, fazendo-os vir à ribalta declarar em coro, bem alto e a uma só voz, que estas eleições eram da maior relevância para todos os cidadãos e que, em consequência, o acto cívico de votar era, neste difícil momento histórico, de profunda crise, um dever acrescido.

Como responderam os cidadãos a esse lancinante apelo que lhes foi endereçado por todos os partidos e por todas as figuras de proa da nossa cena político-partidária?

A resposta dos cidadãos eleitores foi cristalina e nem se fez esperar: seis milhões trezentos e noventa e seis mil quinhentos e dez eleitores tiveram-se positivamente nas tintas para as enfáticas recomendações. Este número corresponde a cerca de 67% do eleitorado. Dos restantes 33%, 7,47% foram votos brancos ou nulos (4º lugar no ranking). Ou seja, a grande maioria dos cidadãos não acredita naqueles tribunos que a eles se dirigem em alta voz. Por isso, e não só, não puseram os pés nas secções de voto, algumas das quais nem chegaram a abrir porque os bons cidadãos boicotaram o próprio acto, considerando-o dispensável.

Parece claríssimo: todos os partidos representados na AR e no PE, bem como os seus principais dirigentes sofreram pesadíssima derrota. Todos. Mais de 74% do eleitorado não se sente representado. Só que o evidente, afinal, não é evidente para alguns. Para quem? Para esses mesmos políticos co-responsáveis pela desistência dos cidadãos. Logo eles, que deviam ser os primeiríssimos a reconhecer a derrota. Que conste, nenhum pôs o seu lugar de dirigente partidário à disposição. Nenhum se declarou incompetente. Não se ouviu ninguém dizer: vou ter que mudar radicalmente, vou ter que actuar de outra maneira. Nenhum veio dizer ser urgente repensar e restruturar a sua actividade política, alterar em profundidade o modo de actuação do seu partido. Nada. Em vez disso, ao longo da noite de rescaldo eleitoral assistimos através do cubo mágico a pura magia política (por alguma razão ele é mágico); fruímos uma colecção de prestidigitação política ridícula ao sabor das conveniências. Os cúmulos foram-nos oferecidos pelo partido que maior responsabilidade parece ter na edificação de uma alternativa real, salvadora de uma democracia em processo de decomposição ou desmoronamento: o PS. O seu líder apareceu, pouco seguro, discursando como se fosse uma grafonola: Ganhámos! Ganhámos! Repetia incansavelmente. Pessoas com a responsabilidade de António Vitorino, Francisco Assis, António José Seguro insistiram na tão ridícula quanto indecorosa asseveração de ter sido o PS português o partido socialista mais votado na Europa. E para espanto, não houve alma -- um jornalista, um militante, um qualquer sujeito ali presente nos estúdios ou nos salões de hotel -- que lhes tivesse perguntado qual a razão de se sentirem assim tão felizes com o descalabro eleitoral dos partidos irmãos. Sim, porque foram derrotas humilhantes como a do PS francês a causa do apregoado triunfo do PS cá da terra.

Qual é o limite de participação para conferir legitimidade democrática às eleições? 30%? 20? 10? Ou será que basta o voto de um único eleitor? Há muito que lanço esta interrogativa.

Quando é que se faz o urgente? Será que o tão evidente quão extraordinário consenso alargado hoje existente em torno de três ou quatro grandes questões não chega? Quando é que as mentes mais lúcidas, mais racionalmente críticas e modernas da esquerda e do centro-esquerda -- da área socialista, comunista, social-democrata, democrata-cristã – se sentam à mesa para, em conjunto, cozinharem o núcleo de um programa de acção governativa que salve o país da violenta imoralidade da política “austericida”? E existindo esse documento que materialize uma convergência já há muito latente não será fácil encontrar duas figuras razoavelmente consensuais para se apresentarem como os dignos estadistas que agora tanto nos faltam -- um digno PR e um digno Primeiro-Ministro?

Alguém me pode responder?
 
João Maria de Freitas Branco
Artigo de opinião que saiu no jornal PÚBLICO, edição de 27 de Maio de 2014, p.44