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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O DEUS DE HAWKING


A realidade prática demonstra à exaustão que sempre que um cientista utiliza a palavra “deus” se gera imediata confusão. Aparece logo um enxame de crentes a declarar que se fulano (o cientista a, b ou c) falou de deus é porque, evidentemente, acredita na existência de deus, sendo que cada um dos opinantes dá de barato que esse deus é o seu, ou seja, só pode ser aquele em que ele acredita e nenhum outro dos mais de dois mil deuses criadores historicamente recenseados. Invariavelmente nenhuma justificação é dada para essa curiosa convicção, embora seja fácil concluir ser essa automática identificação da divindade natural resultado facto (quase sempre ignorado) de, no quadro das modernas religiões monoteístas, os crentes serem refinados ateus em relação à hipotética existência de todos os outros deuses, os associados a religiões que não professam. A forma como ao longo de décadas o pobre Einstein tem sido constantemente violentado e arrebanhado como homem cheio de fé cristã, como pessoa crente na existência do deus do catolicismo é o mais paradigmático exemplo de como a palavra “deus” na boca ou na pena de um cientista prestigiado semeia confusão e abre caminho a interpretações abusivas e deturpadoras do significado das asserções produzidas. Conhecedor desses tradicionais maus tratos, e antes que a morte o leve, Stephen Hawking resolveu pôr travão às falsas interpretações do seu pensar.

Então, para definitivo esclarecimento do que pensa Stephen Hawking sobre os deuses criadores temos agora a sua mais recente entrevista. Útil esclarecimento, uma vez que algumas mentes menos abonadas de inteligência não entenderam o que o cientista quis dizer ao referir, numa das suas obras, "a mente de Deus". Aqui fica, na versão castelhana original, a resposta do notabilizado cientista contemporâneo à habitual pergunta sobre a existência de deus:

«En el pasado, antes de que entendiéramos la ciencia, era lógico creer que Dios creó el Universo. Pero ahora la ciencia ofrece una explicación más convincente. Lo que quise decir cuando dije que conoceríamos 'la mente de Dios' era que comprenderíamos todo lo que Dios sería capaz de comprender si acaso existiera. Pero no hay ningún Dios. Soy ateo. La religión cree en los milagros, pero éstos no son compatibles con la ciencia».

Muito claro. No entanto, por uma questão de rigor, considero que o ateísmo enraizado no autêntico espírito científico não deve produzir asserções como "não há nenhum Deus" -- a usada por Stephen Hawking na citada entrevista concedida ao El Mundo e publicada na edição de 21 de Setembro deste conhecido jornal espanhol (entrevista logo traduzida para português e também publicada entre nós, na edição do semanário Expresso do passado dia 27 de Setembro). Um ateu não é um crente na não existência de deuses demiúrgicos. Para o ateu, não se trata de uma questão de crença. Deixo aqui este reparo crítico à linguagem utilizada pelo prestigiado cientista, sem que isso fira a concordância (a minha afinidade) com o essencial do conteúdo discursivo. E já que aqui estou, adiciono um outro reparo crítico: desta feita ao comentário de Carlos Fiolhais à referida entrevista (publicado no Expresso online). Diz ele que «hoje sabemos que no início do Big Bang há uma transição da não-existência para a existência. Passa-se do nada para o ser.» Para além da falta de rigor ou fundamento científico, esta afirmação peca também pelo facto de ser um perigoso convite à confusão, quando exactamente o que temos de combater é a manifestação da cultura da confusão, sermos agentes da anti-confusão. Há muitos, muitos anos atrás um grande grego chamado Aristóteles deu esclarecedora (e talvez definitiva) resposta a esta questão: do nada só pode surgir o nada.

João Maria de Freitas-Branco

Caxias, 6 de Outubro de 2014

1 comentário:

  1. Completamente falso João: do nada saiu tudo através duma flutuação quântica ou quebra de simetria. O Aristóteles desconhecia os arrebiques teóricos da Física Quântica, e era incapaz de compreender a relação discreto--contínuo na descrição do espaço-tempo, e de que o tempo é como Deus: não existe e é uma criação ou sensação humanas. O que existe é o espaço e a
    velocidade.

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