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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Candidato Vitorioso ou a Questão da Vírgula

Em entrevista ao semanário Expresso o agora candidato Marcelo Rebelo de Sousa surpreendeu com o disparo de uma afirmação bombástica: «Daqui a semanas sou presidente da República». Erro político crasso? Triunfalismo incontido? Súbita crise de optimismo histérico? Aparenta ser uma destas ocorrências ou o somatório das três. O disparo verbal terá efeitos lesivos, mas apenas para o seu autor, estando por isso circunscritos. Portanto, nada de grave para a saúde da Nação. Nada que deva suscitar preocupação geral.

Mas tal não é o caso, e isso aqui me traz. A afirmação contém gravíssimas implicações políticas.

Elas começam a perceber-se nas palavras proferidas por outro candidato presidencial, Sampaio da Nóvoa, logo após a publicação da entrevista. Veio este pôr em evidência a questão da importância da vírgula. A frase, como disse, deve ser construída do seguinte modo: Daqui a semanas sou presidente da República, (VÍRGULA) se os cidadãos eleitores assim o quiserem.

A declaração de Marcelo Rebelo de Sousa implica a aceitação da inutilidade do acto eleitoral. Para quê gastar tempo e dinheiro com assembleias de voto, com a impressão de milhões de boletins, com a colocação de urnas e de câmaras de voto? Sim, para que serve todo esse dispêndio se o resultado já é conhecido? Ficámos a saber existir um candidato a presidente da República para quem as eleições são coisa dispensável.

Mas a gravidade da afirmação não fica por aqui. Há mais e não menos danosas implicações políticas. Trata-se, objectivamente, de um indecoroso apelo à abstenção, à não-participação do cidadão. Por outro lado, é também completa desconsideração pelo debate de ideias. É a negação do valor da livre discussão, representando, do mesmo passo, exuberante desprezo pela visão dos outros candidatos.

Sendo politicamente escandalosa a asseveração é, no entanto, útil. Porque torna clara a diferença entre a candidatura de Rebelo de Sousa e a de Sampaio da Nóvoa. Enquanto aquela representa a continuidade, esta representa a inovação. É isto que está em causa: continuarmos a ter um presidente que é o primeiro chefe, o mais alto magistrado, ou um que seja o primeiro servidor da res publica, que seja um presidente cidadão, genuinamente independente – de partidos, corporações, negócios, interesses institucionalizados; continuarmos a ter um presidente que favorece o jogo de influências, a intriga política como método, a dependência partidária, a asfixia da democracia por efeito da cada vez menor participação cívica, ou, pelo contrário, rompermos com o situacionismo, pondo em Belém um presidente da Liberdade, da cultura da não-dependência, alguém que, com a sua acção, concorra para acabar com o reinante desencantamento popular, fazendo com que cada vez mais pessoas sejam cidadãos praticantes.

Eis aqui a escolha que os portugueses têm que fazer no próximo dia 24 de Janeiro.

João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 13 de Dezembro de 2015

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A confusão como arma



Quando a chama da batalha político-ideológica se aviva no âmago da vida de uma sociedade, como agora acontece no nosso espaço pátrio, logo se vê aparecer, bem oleada, generosamente carregada de munições e empunhada com firmeza, a arma ideológica da confusão – assim a denomino.

Sendo apetrecho imaterial, as balas que dispara são também elas de natureza não material. Mas desenganem-se os que pensam serem tais projecteis menos danosos. Eles ferem com gravidade, causam sofrimento, semeiam morte. Só que esses efeitos não se repercutem directamente no corpo físico, senão que sobre a estrutura mental, pelo que são bem menos perceptíveis – primeiro factor de sofisticação. Não desmoronam edifícios (de modo directo). Actuam antes, e com tremenda eficácia, na esfera da arquitectura mental, demolindo ideações incómodas para o poderio que controla o uso da arma. Os disparos, como os de qualquer outro armamento, provocam alterações no alvo, mas o resultado é qualitativamente diverso. É de uma complexidade muitíssimo maior, porque a sua acção destrutiva é simultaneamente construtiva. Aí reside a essência da sua enorme sofisticação. Abate uma forma imaterial (não importando aqui a sua consistência cognitiva) para em seu lugar edificar nova forma, nova arquitectura mental: a da ilusão conveniente. O cimento de tal construção chama-se mentira.

Talvez a área disciplinar em que, na actualidade, tais efeitos se têm manifestado com maior exuberância seja a da economia que, ao invés do que nos é inculcado como crença – logo aí se sentindo o impacto das balas da confusão – é, no essencial, sempre política; é economia política.

Apenas um exemplo: a ideia de que os tão badalados mercados funcionam na perfeição, obedecendo a leis científicas. Esta ilusão é esculpida pela arma ideológica da confusão. Dá jeito que o cidadão acredite na cientificidade, rigor, eficiência, neutralidade dos mercados. A falsidade é disfarçada por complicados modelos matemáticos, arrevesadas conceptualizações ou puras mentiras transmitidas por mediáticos “especialistas” avençados, exímios na prestidigitação construtora de aparências científicas. É o ilusionismo económico, parcela da enorme cadeia de produção ideológica de ilusão.

Por cá, o caso mais actual e exemplificativo do uso da arma ideológica da confusão é o “drama” iniciado com as eleições de 4 de Outubro. Dia após dia fomos assistindo a novos episódios, em empolgante crescendo de tensão dramática. Um batalhão de comentadores dispara a sofisticada arma em todas as direcções, firmando na mente do cidadão comum uma mentira essencial consubstanciada na ideia de que há terríveis dificuldades, problemas sem solução à vista, tudo por efeito do desmoronamento da “tradição” intocável, bem como do esplendoroso “arco da governação”, estando o país a resvalar para o pântano da ingovernabilidade por ter saído do único trilho conducente à salvação.

Foi no meio deste reboliço que de súbito soou voz firme, portadora de um límpido discurso racional desconstrutor da confusão. A voz dum candidato a Presidente da República(PR): Sampaio da Nóvoa. De forma exemplarmente concisa, rigorosa e clarificadora veio ele recordar a existência de um texto intitulado Constituição, na base do qual se percebe, com facilidade, se for lido, que afinal o drama não passa de pura ilusão criada -- digo agora eu -- pela subtil arma ideológica da confusão.

A preclara intervenção de Sampaio da Nóvoa, na sua dimensão de facto político, fornece relevantes indicações para quem sobre ela queira reflectir. Enuncio algumas: 1) as próximas eleições presidenciais são de excepcional importância para o futuro imediato do país, devendo inaugurar novo ciclo político; 2) o próximo PR não pode estar refém de vínculos partidários, devendo ser personalidade verdadeiramente independente, de modo a melhor servir no esforço construtivo de entendimentos; 3) o PR deve ser alguém que perceba a diferença entre a discussão política na esfera partidária e a discussão política na esfera presidencial; 4) a nossa Constituição é uma das melhores do mundo, nomeadamente na definição do papel do PR e da sua articulação com o Parlamento, e é indispensável ter em Belém quem a estime; 5) estamos perante a urgente necessidade de uma mobilização cidadã a que a presidência da República pode e deve dar enérgicos incentivos.

A confusão obscurantista tem que ser combatida através do cultivo da lucidez crítico-racional. Mas fazer com que a vara do mando não permaneça nas mãos dos amigos da confusão também faz parte desse combate. Os tempos de mudança, como este nosso presente, comportam riscos, é certo; mas têm o mérito de despertarem fortes vontades criativas e “saudades do futuro”.

João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 6 de Novembro de 2015
 
NOTA: Este texto destinava-se a ser publicado numa coluna de opinião de um jornal nacional de referência. A alusão, expressa e elogiosa, a um dos candidatos à presidência da República poderá, eventualmente, ter estado na origem da não publicação na altura e no local previstos. É esta a única razão que motiva o atraso na sua colocação nesta página.



 

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Homenagem a José Esteves


JOSÉ ESTEVES 
Faleceu ontem, dia 17 de Novembro, o Prof. José Esteves. Um ser humano que se cumpriu, tendo sido um notável pedagogo do desporto. Como professor de educação física, fazia com que, através de uma original e profunda compreensão do sentido da prática desportiva, os seus alunos encontrassem caminhos para se tornarem Pessoa. Singular atitude pedagógica, para mais em tempos de ditadura salazarenta.

O Zé Esteves (como gostava de ser tratado) prestou-me valioso apoio quando tomei a iniciativa de fundar a Associação dos Antigos Alunos e Amigos do Liceu Nacional de Oeiras. Uma de várias coisas que motivam que lhe esteja sempre profundamente grato.

Aqui fica a minha sentida homenagem.

João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 18 de Novembro de 2015

 

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Nota de Esclarecimento



Desejo informar que a minha entrevista sobre o Verão quente de 75 que saiu na edição de ontem (Domingo, 15 de Novembro) do PÚBLICO – Revista 2, em muito pouco corresponde à longa entrevista que efectivamente concedi há já largos meses. O meu pensamento e as minhas reflexões sobre os históricos acontecimentos de 1975 foram banidos do texto publicado. Essas preterições podem, eventualmente, suscitar falsas deduções ou interpretações sobre a minha visão dos acontecimentos históricos. Entre a entrevista real dada e a magra parcela publicada há demasiada diferença (quantitativa e qualitativa). Sendo completamente alheio à opção editorial, não posso nem quero deixar de prestar este esclarecimento público, lamentando, do mesmo passo, a indesejável ocorrência.

[Ref.: “Especial – 25 de Novembro de 1975”, Revista 2, jornal PÚBLICO, 15 de Novembro de 2015; também publicado na edição online – www.publico.pt/revista2]
JMFB
Caxias, 16 de Novembro de 2015

 

domingo, 15 de novembro de 2015

Paris 13 de Novembro


 

Paris é a urbanização do programa do Iluminismo, a tradução desse programa em urbe. Por isso, quando Paris é ferida, é ferido o programa do Iluminismo ainda não executado na sua totalidade; quando Paris sangra, sangram os Valores das Luzes pelos quais infinitamente temos de lutar; sempre, sem limite temporal. Razão, Liberdade, Igualdade, Fraternidade são colocadas sob cominação.

 

Liberté

Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J’écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom

Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom

Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom

Sur chaque bouffée d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom

Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes maisons réunies
J’écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom

Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté.
Paul Éluard

 

 

 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Momento histórico


Estamos a viver um momento político Histórico. Hoje, na Assembleia da República, dá-se um passo decisivo contra a imoralidade austeritária. Em nome da elevação moral, da dignidade, da liberdade e da honradez impõe-se irmos para a rua festejar a derrota dos agentes da imoralidade política e do seu governo que através do voto democrático cairá dentro de poucas horas no Parlamento. Eu estarei lá, na manifestação convocada pela CGTP para festejar o momento em que a esperança começa a ser devolvida à Nação. Pela Liberdade, contra a submissão! Pela moralização da política governamental!

 

 

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Caiu a Máscara



Estamos a viver um tempo politicamente interessante, mobilizador, cheio de atractivos, mas também muito perigoso, porque se adensam os riscos de total definhamento da democracia. Como pano de fundo temos uma séria crise da democracia que se tem vindo a intensificar com assustadora celeridade. A estruturação de uma ditadura financeira na Europa tornou-se evidente com o caso Grécia. Já não é necessária grande perspicácia política para compreender que a perda de soberania desagua na extinção da democracia efectiva no interior de cada pátria europeia.  

No espaço nacional, emergiu, de modo súbito, uma situação inédita na história desta nossa 2ªRepública: a hipótese de concretização da tão sonhada e apregoada unidade de esquerda. Este surpreendente agitar de águas em torno da procura de solução governativa, motivado pela lúcida atitude do PCP de viabilizar um governo minoritário do PS como primeiro gesto destinado a travar a onda antidemocrática gerada pela tão em voga ideologia do austeritarismo, parece-me concorrer para um promissor reavivar da chama da democracia.

Actuando de forma aparentemente concertada, PCP e BE desferem forte e certeiro golpe na tão nefasta quanto reaccionariamente empobrecedora política do “não há alternativa”. Toda esta agitação tem tido, para mim, entre outras, a virtude de possuir especial utilidade prática: pôr a nu o falso socialismo de muitos socialistas. Fez cair as velhas máscaras, deixando bem expostos os perfis ideológicos reais de gente que tem passado a vida a fingir que é de esquerda, que é socialista, que é contrário aos interesses do universo direitista da coligação PaF, quando na realidade pertence exactamente ao mesmo universo de interesses. Uma consolidada irmandade.

O exemplo mais exuberante deste útil efeito imediato das negociações do PS com os partidos situados à sua esquerda foi-nos oferecido pelo ex e pelo actual líder de uma central sindical, a UGT. João Proença e Carlos Silva apressaram-se a vir a terreiro manifestar o seu pavor. Assumiram protagonismo de solistas num coro de sujeitos mascarados de socialistas, onde melodiam sob a batuta de destacados dirigentes do PS, e até de putativos candidatos ao lugar de secretário-geral do partido. Um coro que agora faz triunfante tournée pelos canais televisivos, bem como por todo o restante território da comunicação social.

 Após os mais agressivos quatro anos de política contra o bem-estar dos trabalhadores, depois de uma política que gerou a maior transferência de riqueza do trabalho para o capital de que há memória no Portugal contemporâneo, estes sujeitos utilizadores do disfarce de representantes dos trabalhadores, exemplo daquilo a que chamo o kitsch político, vêm afirmar que a única boa solução é manter no poder os autores dessa política, através de uma aliança do PS com a coligação de direita. O que, a concretizar-se, consistiria também grave traição ao sentido de voto dos socialistas autênticos, que foram votar no passado dia 4 de Outubro com o objectivo prioritário de varrer do poder esses inimigos dos trabalhadores e da própria democracia, pois o discurso do “não há alternativa” é, por definição, uma forma de negar a possibilidade de existir uma sociedade livre e democrática. É a negação da possibilidade de escolha por parte do cidadão. Óbito da democracia.

A esperançosa unidade de esquerda pode acabar por não se concretizar; mas a tentativa de a edificar teve já este grande mérito: fazer cair as máscaras. Um belo contributo para o premente combate ao kitsch político.

João Maria de Freitas-Branco
[Artigo de opinião, jornal PÚBLICO, edição de Domingo, 18 de Outubro de 2015,  p.52]

domingo, 11 de outubro de 2015

Notas de Autor 5

Transcrição da minha participação no programa radiofónico "Notas de Autor", na TSF, emissão do dia 1 de Outubro:
 
 
Sempre fui um crítico opositor do pensamento por compartimentos estanques. Por isso, na nota de hoje quero recomendar uma obra, acabadinha de chegar aos escaparates das livrarias, e que é exemplo da negação dessa persistente tendência para a arrumação em compartimentos estanques. Continua a imperar a ideia de que ciência e emoções se excluem mutuamente, e que o romantismo, enquanto movimento cultural enaltecedor do ideal de subjectividade, é coisa absolutamente contrária, oposta, à Ciência, à objectividade científica. Ora, a obra que vos quero recomendar, da autoria de Richard Holmes, premiada pela Royal Society, e intitulada “A Era do Deslumbramento”, parte da noção de espanto para demonstrar a existência (e cito) de «uma ciência romântica, do mesmo modo que existe uma poesia romântica». Numa prosa atraente, o autor faz uma espécie de romance biográfico da ciência realizada entre a chegada do botânico Joseph Banks ao Taiti, em 1769 (integrado na expedição de James Cook), e a célebre viagem de Darwin a bordo do Beagle, iniciada em 1831. No centro da narrativa está também a sedutora figura do músico astrónomo William (ou Wilhelm) Herschel, bem como as primeiras experiências de voo, com balões (o balonismo, os “globos aéreos”, como então se dizia).

Felicito a Gradiva por mais esta feliz iniciativa editorial que é também um gesto corajoso, dado não ser fácil em tempos de crise lançar no acanhado mercado português uma obra com cerca de 700 páginas e bastante iconografia.

Como o trabalho científico de William Herschel inspirou o compositor Joseph Haydn, deixo-vos ao som da oratória “A Criação” (Die Schöpfung). Sugestão musical para acompanhar a leitura proposta.
[TSF, 1 de Outubro de 2015]

sábado, 3 de outubro de 2015

Notas de Autor 4

Transcrição integral da minha participação na emissão de ontem do programa radiofónico "Notas de Autor", na TSF:


A minha nota de hoje é um alerta – porque sou um autor-cidadão preocupado, muito preocupato.

Estamos a viver um período em que se misturam dois actos eleitorais (legislativas e presidenciais)que, a meu ver, são os mais importantes da história desta nossa 2ªRepública desde 1975/76.

O austeritarismo promove a desumanização, destruindo os valores que são os pilares do nosso ideal de civilização. Cortar pensões, reduzir salários, criar pobreza, abalar o Estado social são formas de atentar contra a Vida. E quando o amor à vida decai e o poder é exercido por quem já não ama a Vida, o que acontece é que o Mal germina e institucionaliza-se.

Para que se varra do poder os inimigos da Vida e se consolide uma consciência cívica que impeça o regresso do Mal, do mal organizado, institucionalizado, esse mal extremo de que falava Hannah Arendt, é importante a memória. Recomendo, por isso, uma visita ao Museu do Aljube, recentemente inaugurado e que é, em grandíssima parte, fruto do trabalho do NAM – Associação Cívica Não Apaguem a Memória, de que sou director.  
TSF, "Notas de Autor", 2 de Outubro de 2015

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Notas de Autor 3

Transcrição integral da minha intervenção radiofónica no programa "Notas de Autor" da TSF, no dia 30 de Setembro de 2015:


Quero hoje falar-vos de educação e da escola que temos. Actualmente a educação está subjugada à ideologia imediatista do útil, imposta pelos interesses do mundo dos negócios, das empresas e do Estado. A educação tem-se curvado diante das imposições utilitárias da elite dos negócios para quem a coisa mais importante é ganhar dinheiro, muito dinheiro, no imediato.

Foi precisamente há cem anos, em 1915, que foram publicados dois dos mais relevantes textos sobre educação escritos por autores portugueses, embora uma dessas obras tenha sido redigida em francês e editada no estrangeiro: refiro-me ao livro de Faria de Vasconcelos sobre a “Escola Nova” (Une école nouvelle en Belgique, é o título original) e ao ensaio de António Sérgio “Educação Cívica”. Recomendo a leitura destes dois escritos como forma de recuperar uma educação que abra caminhos para que cada ser humano se possa tornar uma pessoa de carácter.

Não me canso de dizer: a grande crise não é a económico-financeira mas sim a dos valores em voga. É uma crise cultural, uma crise da civilização. Para a superar necessitamos de uma educação de qualidade que concorra para aquilo a que tenho por hábito chamar a formação integral do cidadão pessoa.

Como Sérgio e Vasconcelos eram admiradores de Beethoven, sugiro que os leiam ouvindo o último disco da Maria João Pires, CD premiado, com o 4º concerto para piano do Músico de Bonn.
João Maria de Freitas-Branco, TSF, programa "Notas de Autor, 30/09/2015
 

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Notas de Autor 2

Transcrição da minha intervenção de hoje no programa radiofónico "Notas de Autor", na TSF.


A minha actividade profissional como autor e trabalhador intelectual estendeu-se sempre ao campo das Artes. Sou, por exemplo, presidente do Ginásio Ópera, instituição cultural e artística patrocinada pelo Montepio, fundada no início deste século, tendo, portanto, 15 anos de actividade ininterrupta – o que, atendendo ao desprezo pela cultura exibido nos últimos anos pela política governamental, não deixa de ser obra digna de apreço.

Por isso, na nota de hoje quero recomendar o Ciclo de Música Religiosa filmada que vai iniciar-se com o Requiem de Mozart no próximo dia 9 de Outubro, na Igreja da Cartuxa, em Caxias (concelho de Oeiras).

Como a produção de um espectáculo que envolve orquestra, coro e solistas tem custos demasiado elevados para uma instituição sem fins lucrativos e numa época de crise, o Ginásio Ópera optou por organizar sessões em que se assiste a um concerto filmado que tem a máxima qualidade artística (concertos do Festival de Salzburg, das grandes salas de Viena, Berlim, Londres, Nova York, etc., contando com a participação dos melhores intérpretes mundiais – os maiores maestros, as melhores orquestras, os mais célebres cantores solistas). Toda a informação está online, na página do Ginásio Ópera no Facebook.

Aqui fica o convite para o Requiem de Mozart, no próximo dia 9 de Outubro. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Notas de Autor


Fui convidado para participar, mais uma vez, no programa radiofónico “Notas de Autor”, na TSF, uma emissão diária, às 12h25 com repetição às 17h50, realizada em parceria com a SPA – Sociedade Portuguesa de Autores. O texto que agora aqui se publica é a transcrição da emissão de hoje, segunda-feira, dia 28 de Setembro de 2015; mas como habitualmente acontece, em virtude das limitações de tempo, a emissão editada e radiodifundida é mais curta. Assim, a publicação da transcrição da gravação não editada permite dar a conhecer na íntegra o conteúdo da minha nota de autor. O programa também pode ser escutado no site da TSF.

 

Como é sabido, a minha actividade como autor centra-se na Filosofia, e esta, tal como a entendo, é em grandíssima medida, ou até essencialmente, uma reflexão sobre a ciência, sobre o modo como se vai construindo a verdade objectiva, o conhecimento.

Nesta nota, gostava, por isso, de chamar a atenção para uma efeméride científica recheada de implicações filosóficas: o centenário da criação da Relatividade Geral – ou seja, da 2ªparte da Teoria da Relatividade de Albert Einstein.

Trata-se de um gesto criativo que exprime a mais pura genialidade; tão genial que até parece uma impossibilidade! A ideia de curvatura do espaço-tempo, uma nova concepção da gravidade, a ideia de expansão do universo, etc. Coisas extraordinárias brotando da cabeça de um único homem, ou de um homem único!

Estou a escrever um ensaio exactamente sobre o que considero ser o contributo da Relatividade para uma visão materialista do mundo, opondo-se a uma concepção mística/irracional do mistério – condição do trabalho científico. Recentemente publiquei outro trabalho sobre Einstein. Um estudo pioneiro sobre a relação entre o pensamento do cientista e o do nosso filósofo António Sérgio. Intitula-se “Sérgio e Einstein: Aspectos de uma empatia intelectual” e está integrado num volume editado pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa sobre o Grupo Seara Nova. O título é: “Proença, Cortesão, Sérgio e o Grupo Seara Nova”. Deixo o convite para que o leiam.

João Maria de Freitas-Branco, TSF, “Notas de Autor”, 28/09/2015.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Sampaio da Nóvoa: o Candidato, o PS e as Eleições



João Maria de Freitas-Branco

 

SAMPAIO DA NÓVOA: o Candidato, o PS e as Eleições

-- uma reflexão breve sobre o momento político --

 

Como é do conhecimento público, sou, desde a primeira hora, apoiante da candidatura de António Sampaio da Nóvoa – um apoiante activo, militantemente envolvido na campanha e membro da Comissão Nacional de Candidatura. Isso em nada me impede de reconhecer a inteligência crítica presente em algumas intervenções públicas, como, por exemplo, no sério comentário do meu amigo e grande activista Henrique Sousa, assim como opiniões como a hoje expressa na manchete do jornal PÚBLICO (edição de 7/8/15). Reacção talvez causada por uma forma de dizer, usada, nomeadamente, na muito citada entrevista radiofónica de António Sampaio da Nóvoa no programa Terça à Noite, da Rádio Renascença, que pode ter dado a entender algo que não corresponde de facto ao sentimento político do candidato a Presidente da República que merece o meu franco apoio. Num singelo esforço de esclarecimento, estou em condições de afirmar aqui, peremptoriamente, e uma vez mais, que a candidatura de Sampaio da Nóvoa germinou em terreno exterior ao espaço político-partidário e continuará sempre a desenvolver-se nesse espaço; ou seja, é uma candidatura independente dos partidos e nunca deixará de o ser. Mas não é uma candidatura contra os partidos nem hostil a um partido como aquele que foi referido na entrevista do programa da Rádio Renascença, gerando alguma controvérsia. Os próximos actos eleitorais que vão ter lugar na nossa violentada Pátria, legislativas e presidenciais, são os mais importantes da história da Democracia de Abril, da nossa 2ª República. Penso até que em conjugação com a intervenção austeritária – as políticas imorais impostas pela Troika e pelo subserviente governo PSD/CDS – as próximas eleições (legislativas e presidenciais) irão constituir um marco histórico, perfilando-se como momento fundador da 3ª República portuguesa ou de uma nova época não democrática. Estamos a viver uma fase decisiva, depois do golpe de estado perpetrado pelo Eurogrupo na Grécia e após a estruturação da Ditadura financeira na ainda chamada União Europeia, sob a batuta do meu bem conhecido Wolfgang Schäuble, no passado dia 12 (ou 13) de Julho. A suspensão da Democracia na Europa impõe nova e enérgica táctica política por parte das forças de esquerda. A Ditadura financeira obriga a uma mudança no plano da acção prática interventiva. É urgente repensar o modo de actuar a partir da esquerda.

Ao contrário do que tem sido afirmado por muitos comentadores, o processo eleitoral para a Presidência da República está a ser politicamente muito mais relevante do que a campanha para as legislativas, porque tem transportado consigo mais novidade, mais elementos de ruptura, mais densidade de ideias, mais qualidade problematizadora, maior elevação cultural, intelectual e moral. Isso deve-se principalmente à qualidade humana e ao perfil de pessoas como António Sampaio da Nóvoa ou Henrique Neto (os dois principais candidatos reais ou efectivos, não putativos) que contrastam com a imagem do político kitsch que para desgraça nossa e do país tem dominado a ribalta da cena política nacional e europeia nestes últimos anos – deficientes morais, gente tão incrivelmente menor como aqueles ministros que compram cursos em universidades de duvidosa reputação ou os altos responsáveis da União Europeia que apresentam teses universitárias plagiadas para celeremente adquirirem títulos académicos e currículo. Expurgar a vida política desse kitsch, varrer esse lixo imoral que a cada instante nos insulta, nos agride, nos revolta, nos indigna e escandaliza é absoluto imperativo da acção cívica que engloba os dois processos eleitorais em curso no nosso espaço pátrio – mas também em outros torrões do velho continente. O poder, cá e em demasiados cantos da Europa, não pode permanecer na mão de gente que apequena, de seres que são agentes da mentira, da indecência, da menoridade. A mentira (velha e profunda questão filosófica) é um problema central da vida sociopolítica do nosso mundo hodierno. Indicador claro daquilo que não me canso de gritar: o grande problema do mundo contemporâneo é de natureza Cultural. E o que acima de tudo está em causa é uma escolha entre o que apequena e o que engrandece, entre o que nos puxa para cima e o que nos empurra para baixo, entre Verdade e Mentira (o kitsch), entre a Liberdade servidora da Vida e a Dependência servente da Morte, sendo esta (a dependência mortífera) o que nos amarra ao medo, à estupidez e à menoridade de que Kant nos falou, e aquela o oposto disto, como nos explicou um outro filósofo de igual calibre mental, mas com costela lusitana, chamado Bento Espinosa. É isto que verdadeiramente está em jogo. Não se deixem ir na cantiga matraqueada do deficit económico-financeiro; o deficit que verdadeiramente importa é o de Elevação. Questão de Cultura e não de finanças. O voto em António Sampaio da Nóvoa é um voto que concorre para a superação desse deficit essencial.

Discordo em absoluto da tese que volta a ser reafirmada na edição de hoje do jornal PÚBLICO, num extenso trabalho jornalístico não assinado, deixando supor que é a posição da direcção editorial desse periódico de referência no quadro da nossa comunicação social. A dita tese, subscrita por muitos comentadores, por fazedores de opinião e até por membros da própria candidatura de Nóvoa, pode enunciar-se nos seguintes termos: só pode ganhar uma eleição presidencial quem tiver o apoio de um grande partido político representativo da tradição do regime; assim sendo, dada a tese como demonstrada, Sampaio da Nóvoa jamais será Presidente da República se não contar com o apoio do PS. Quem advoga esta visão parece-me não estar a percepcionar a quantidade de mudança que está a ocorrer no universo político e na generalidade das sociedades europeias. Os partidos tradicionais são realidades cada vez mais tóxicas. Eleitoralmente tóxicas. As próximas eleições presidenciais representam uma mudança profunda, aliás já sinalizada em eleições anteriores (os casos Nobre e Alegre, na primeira candidatura, foram os primeiros sintomas nítidos). Que mudança é essa? Em que consiste? No seguinte: a emergência da figura do candidato independente como elemento visivelmente dominante. Dito de forma mais prosaica, é o fim ou a decadência do cozinhado partidário de candidatos, da panela condimentada, bem temperada e aquentada, com maior ou menor brandura, num qualquer largo, seja o do Rato ou outro. Até o putativo candidato Marcelo Rebelo de Sousa é, no fundamental, uma figura que se apresenta como sendo independente, mesmo sabendo-se da sua filiação e mesmo que venha, ou viesse, a ser formalmente apoiado pelo PSD e pelo CDS. Na realidade, ele é olhado pelo eleitor como candidato não partidário e, se calhar, pelas características idiossincráticas do ser humano em questão, até será sujeito não partidarizável, ou seja, impossível de partidarizar. Causa maior do evidente distanciamento que as actuais direcções partidárias direitistas têm cultivado com abundância em relação ao Professor. O clássico horror ao vazio não afecta os partidos, mas o horror à imprevisibilidade e à indocilidade é-lhes endógeno.

Para além do que acabo de afirmar, seja-me permitido alertar para o facto de a enunciada tese estar carenciada de autêntica demonstração, racionalmente fundada. Nisso reside o primeiro motivo da minha discórdia ou, no mínimo, da minha forte desconfiança em relação à sua efectiva validade. Seja-me permitido recordar que Manuel Alegre obteve melhor resultado eleitoral quando se candidatou sem apoios partidários do que quando contou com o apoio expresso de dois partidos com assento parlamentar (PS e BE). Agora, após todos estes anos em que o inquilino do Palácio presidencial foi um servo da indecente governação austeritária, é natural e bem provável que o cidadão eleitor tenha ainda maior apetite de independência. Além do mais, e não menos relevante, na minha óptica, é o facto de qualquer candidato honesto sentir o imperativo inadiável de reconquistar a participação cidadã, fazendo de cada adulto português um autêntico cidadão praticante, como gosto de dizer. Por outras palavras: qualquer candidato que, como António Sampaio da Nóvoa, se distinga pela sua seriedade, deseja trabalhar incansavelmente para trazer de volta à vida política, à acção cívica interventiva e consequente, todos aqueles milhões de cidadãos abstencionistas que nas últimas presidenciais constituíram a maioria absoluta (52%!). Esse esforço, que é obrigação ética do candidato, ao que tudo indica não tem muito a ganhar com a proximidade de coisas que não expedem confiança. Partidos, como o PS, que têm frequentado os corredores do poder nas últimas décadas incluem-se nesse grupo de coisas. Infelizmente. Daí que a independência seja um factor de higiene muitíssimo aconselhável, para já não dizer desejável. E é com independência que «precisamos de construir a participação de todos na vida pública» como, por feliz coincidência, acabou de dizer o meu candidato, António Nóvoa, em intervenção pública feita enquanto eu já estava entregue a este labor de escrita.

Também não vejo que haja motivo para as ansiedades referidas na análise jornalística hoje publicada, quando no próprio texto opinativo se dá a conhecer que no interior da direcção do Partido Socialista há significativo número de indivíduos defensores de um apoio oculto à candidatura de Rui Rio (!). Terá um candidato assumidamente de esquerda que se preocupar com o apoio de gente de direita que por equívoco ou oportunismo persiste em estar inscrito num partido que ostenta no nome o vínculo ao Socialismo? Para entender estas desavergonhadas contradições, para perceber o escandaloso silêncio do SPD perante a prática antidemocrática de Schäuble, o decaimento dos partidos socialistas/sociais-democratas/trabalhistas, ou a falta de nervo do PS cá da casa, deploravelmente ancorado na inacção perante gestos democraticamente inadmissíveis como o do Sr. Martin Schulz na véspera do referendo na Grécia, se quiserem perceber o que se passou e nos conduziu a este lamentável estado de empobrecimento (cultural, moral, político, intelectual, económico), recomendo que vejam o magnífico filme-documentário “O espírito de 45”, realizado por Ken Loach e posto ontem à venda no mercado português (edição em DVD).

Espero que a candidatura de António Sampaio da Nóvoa possa contribuir para puxar para o terreno da verdadeira alternativa política ao austeritarismo antidemocrático um partido como o PS, com a importância que inegavelmente tem na nossa sociedade. Cabe aos partidos que se opõem à actual política governamental, ao austeritarismo imoral, decidirem livremente quem são os candidatos que desejam apoiar nas eleições presidenciais. O candidato António Sampaio da Nóvoa nunca irá bater à porta de nenhum partido com um pedido de apoio. A independência é e será sempre um pilar essencial desta candidatura. 

«Eu nunca, em momento nenhum, fiz apelos ou desafios a quem quer que seja, ao partido, seja qual for, para que se pronuncie ou deixe de se pronunciar. Eu respeito o tempo dos partidos, têm a sua lógica própria, as suas estratégias, as suas dinâmicas",
António Sampaio da Nóvoa, declaração proferida em Tomar, no passado mês de Julho.

 

João Maria de Freitas-Branco

Caxias, 7 de Agosto de 2015

 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Militância antidogmática

Não foi por mera casualidade que aqui coloquei (Facebook), no agora já findo mês de Julho, um curto mas precioso documento audiovisual em que o filósofo inglês Bertrand Russell nos lega dois sábios recados, um de natureza intelectual outro de teor moral. O actual “caso Grécia”, de que tanto do nosso existir depende, tem trazido à ribalta variegadas utilidades, sendo uma delas o tornar evidente, mais nítido ou, na pior das hipóteses, menos disfarçado um conjunto de fenómenos/verdades que nos afectam enquanto andamos nesta azáfama do viver. Anoto aqui dois deles, por estarem inter-relacionados: 1) a extinção da Democracia, da autêntica, no interior da ainda chamada União Europeia, visivelmente governada por inimigos dela – Democracia autêntica –, dominada por gente consequentemente hostil à racionalidade crítica, à atitude céptica e crítico-tolerante caracterizadora do espírito científico; 2) o dogmatismo e o sectarismo de esquerda são os melhores aliados da governação de direita e do esforço para a sua perpetuação, semeando compreensível sorriso no rosto dos agentes do poderio. Por cá, os senhores do pensamento político e da prática (des)governativa-sem alternativa, que encabeçam a coligação eleitoral PSD/CDS, adoram esses seres que encarnam a esquerda imaculada, a pureza comunista, que são os sacerdotes laicos do cânone político de esquerda. Tenho observado a franca alegria com que os cidadãos direitistas têm acolhido o recente fenómeno, espoletado pelo “caso Grécia”, da renovada proliferação dessa “pureza” dogmática. Dito isto, e com a memória posta nas lúcidas recomendações de Russell que aqui depositei no passado dia 27, apetece-me citar uma frase do grande Tchékhov que me foi trazida há bem pouco pelo meu muito estimado amigo-escritor Mário Carvalho (Amigo solidamente real, embora também aqui virtual, neste espaço do Face). Cito dando-me à liberdade de fazer pequeno acrescento assinalado com o auxílio do itálico. Então, aqui vai a frase do grande russo: «A arrogância dogmática e sectária é uma qualidade que fica bem aos perus».

[Texto inicialmente publicado na minha página do Facebook, no dia 5 de Agosto de 2015]

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Ditadura Financeira


Será que a madrugada do dia 13 de Julho de 2015 vai ficar na história como o momento da criação de uma nova ditadura europeia? Temo que sim. Parece-me estar instituída a ditadura financeira. A Europa está a ser governada por inimigos da Democracia. As eleições tornaram-se uma fraude, um ritual fraudulento, e a esquerda europeia e mundial terá que repensar a sua forma de intervenção política.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Discurso


DISCURSO DE JOÃO MARIA DE FREITAS-BRANCO

NA

INICIATIVA DE SOLIDARIEDADE COM A GRÉCIA

Fórum Lisboa, 8 de Maio de 2015

 

 

Caros Amigos,

O que se está a passar na Grécia – após a vitória eleitoral do Syriza e o início de uma acção governativa contra a imoralidade política baptizada de austeridade -- não é assunto que apenas diga respeito aos gregos. Não. A luta deles é a nossa luta. É o combate dos homens de carácter que se recusam a aceitar uma sociedade em que o direito a viver de forma humanamente digna é vedado a milhões de cidadãos-pessoas. É uma luta em que se decide o nosso futuro.

Os gregos progressistas transportam, bem erguida, a bandeira da Esperança e do combate pela construção de uma vida decente, em que a igualdade se afirme em detrimento da desigualdade causadora de injustiça.

 

Quero aqui, de forma necessariamente muito sucinta, focar quatro aspectos: são três negações para uma afirmação.

 

Primeira negação: a negação dos políticos kitsch -- estes que temos no poder, aqui no nosso torrão, bem como em grande parte da Europa.

A essência do kitsch consiste na negação da Verdade, no existir na mentira. O governante kitsch é aquele que cultiva a cosmética política, a farsa, o ilusionismo ideológico, a arte da prestidigitação do verbo, valorizando o discurso publicitário, os slogans, a superficialidade lúdica, a infantilização. É um ser que tem horror à gravitas, advogando a acanhada cultura da facilidade. O político kitsch, chame-se ele Silva ou Coelho, é um agente da cretinização, da massificação mediocrizante, do abaixamento, da negação dos mais nobres valores da nossa civilização, da anulação da vida na verdade (do viver na verdade).

Por isso, é preciso varrer esse tipo de político da nossa sociedade.

Os gregos já começaram a varrer. Já iniciaram esse trabalho de limpeza. Obrigado! Obrigado Grécia!

 

Segunda negação: a negação da imoralidade; a negação da política divorciada da Moral.

Urge pôr termo a uma política que conduziu a sociedade a um estado de saturação moral por efeito da banalização da imoralidade – tendo tornado o corpo societal, assim como o indivíduo cidadão que o compõe, apático, incapaz de reagir, incapaz de dissolver novas agressões. É como na química, quando temos um líquido saturado e nele depositamos mais uma porção da mesma substância. Também nas sociedades há uma espécie de lei química, uma lei da saturação psicossocial que define um ponto a partir do qual o cidadão comum deixa de reagir a um novo escândalo ou agressão moral, seja a revelação de mais um acto de corrupção lesivo do interesse público, o vergonhoso elogio solene de um prevaricador feito pela boca do chefe do Governo, ou o simples despautério da edição de uma falseada biografia propagandística do primeiro-ministro.

A prioridade racional é o pagamento dos salários e das pensões e não o pagamento aos credores. Urgente é defender os necessitados e não os abastados. A prioridade é o trabalho e não o lucro privado dos grandes accionistas da banca; é dar emprego a quem não o tem, pagar salários justos a quem não os tem, dar às pessoas condições para que possam ter uma vida decente, verdadeiramente humana.

É isso a LIBERDADE. A autêntica.

Bento Espinosa, esse grande filósofo semiportuguês, dizia já nos recuados anos Seiscentos que a Liberdade é a capacidade de não vivermos dependentes do medo, da estupidez e do desejo fútil. Ou seja, se assimilarmos este lúcido pensamento espinosista, a Liberdade é precisamente o contrário daquilo que tem vindo a acontecer nas nossas vidas, na existência concreta dos seres humanos cidadãos de uma Europa em processo de decomposição e de decaimento ético-político.

Os gregos progressistas já iniciaram esta acção reconciliadora da política com a moral. Obrigado! Obrigado Grécia!

 

Terceira negação: a negação do aventureirismo político – de que o Syriza tem dado magnífico exemplo.

A compreensão racional e realista de que este não é o tempo da Revolução. Da grande ruptura que nos faça sair de um modo de produção necessariamente causador de Desigualdade, de injustiça social.

A defesa e preservação de um capitalismo regrado, devidamente regulado, que não seja o obsceno casino que agora de novo temos, trazido pela mão da imoralidade política do neoliberalismo à solta, são, neste aqui e agora, gesto mais progressista do que a tentativa de ruptura, por mais paradoxal que possa parecer aos olhos de muitos dos que pensam o mundo olhando-o a partir da esquerda. O tempo presente transporta ameaças tão graves que tornam natural a união dos homens de bom senso, das pessoas decentes e de carácter, independentemente do seu posicionamento no espectro político-partidário democrático – o que não implicando a anulação nem a perda de sentido da dualidade esquerda/direita não deixa, porém, de promover uma relativização conjuntural e um atenuar das contradições em torno de certos objectivos concretos que possuem valor civilizacional largamente consensual. O actual governo grego, na sua forma de coligação, é exemplo do que aqui advogo.

As ameaças que se perfilam diante de nós fazem com que neste momento seja muito perigoso desestabilizar o capitalismo. Porque isso pode facilitar o regresso da Peste, de que sabiamente falava Albert Camus logo após a vitória sobre o nazismo e o encerramento de Auschwitz, projectando um grito de alerta para as gerações futuras. (Deixem-me recordar-vos que, por pertinente coincidência, hoje mesmo, dia 8 de Maio, celebramos o 70º aniversário da histórica vitória sobre o nazismo). Pode abrir a porta ao grande Mal, ao Mal extremo conceptualizado por Hannah Arendt em gesto de reflexão autocrítica sobre o Holocausto. Sim, porque “o bacilo da peste nunca morre nem desaparece”. Permitam-me que deixe este alerta camusiano aos mais jovens, pois não me parece estarem ainda conscientes da proximidade da ameaça do Mal que se tem vindo a reestruturar.

Obrigado Syriza pelo exemplo de racionalidade e de sensatez política!

 

Três negações para uma afirmação; a seguinte:

A afirmação de sentido. A urgência de dar sentido à nossa existência é a questão central do nosso tempo. Porque, como avisava F. Nietzsche já no fim da sua vida criativa, o maior perigo é a ausência de sentido existencial; uma ausência que continuamente alimenta a pulsão de morte.

 

Na Grécia, as forças progressistas, agora finalmente no poder, têm sido exemplo de doação de sentido. Obrigado Grécia!

 

Para que os actos eleitorais não sejam uma farsa, um mero ritual folclórico de conservação do mesmo, actos esvaziados de sentido e inconsequentes enquanto factor de transformação; para que a Democracia não deixe de fazer sentido, para que não se extinga na espiral da auto-negação e sob a asfixia da chantagem do Poderio, das superiores instâncias europeias e de governos de países supostamente aliados, para que nada disto aconteça, é indispensável que a vontade do povo grego seja respeitada e que o governo do Syriza possa cumprir o programa sufragado pondo fim à indecente política de austeridade que empobreceu o país, humilhou o povo e destruiu o Estado social derramando injustiça.

O problema maior com que nos debatemos hoje não é de natureza financeira ou económico-financeira, como a todo o instante nos querem fazer acreditar. O grande problema do nosso tempo é de natureza cultural; é o problema da cultura.

Há crise financeira? Claro que sim; há crise económica? Sim, há; mas a crise maior é a crise cultural, traduzida numa perda geral de densidade e no primado da superficialidade, do prazer fútil, do imediatismo, da patetice alegre, do facilitismo, de tudo isso que gera abaixamento. É a crise dos valores civilizacionais e morais, causadora da tal perda de sentido existencial. O deficit que verdadeiramente nos deve desassossegar não é aquele de que diariamente nos falam os políticos e os economistas mediatizados, mas sim o deficit de elevação, o deficit de forças que, intelectual e moralmente, nos puxem para cima dando sentido ao nosso existir.

É aí que se trava a grande batalha decisiva: a luta em defesa da pulsão de vida contra a pulsão de morte.

 

VIVA A VIDA!

Viva o Povo grego!

Viva a solidariedade entre Portugal e a Grécia

 

João Maria de Freitas-Branco

Lisboa, 8 de Maio de 2015

 

 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Sobre a candidatura de Sampaio da Nóvoa


Ataques ou críticas há que denigrem mais o autor do que o visado. Sabemo-lo. E sabemos também que em tais casos tanto o criticador como o seu discurso crítico, pelo exagero da inconsistência, pelo desequilíbrio, pela embriaguêz romântica do verbo, pela ausência de válida fundamentação racional, acabam por não merecer qualquer reacção que não seja o absoluto silêncio. Disso tivemos exemplo na última página da edição de hoje de um jornal de referência presente nas bancas, em mais um dia de homenagem internacional aos Trabalhadores do mundo inteiro [edição do Público de 1/5/15].

Mas como, no caso vertente, pude verificar ser percutida a mesmíssima tecla já múltiplas vezes usada desde a noite da última quarta-feira por comentadores políticos, colunistas e outros fazedores de opinião – e não sendo nem querendo ser mero apoiante passivo da candidatura de Sampaio da Nóvoa, preferindo assumir o papel de modesto operário da construção política que agora se intenta executar, e vendo na defesa da Verdade uma forma de homenagear os Trabalhadores – volto a este amplo espaço público da blogosfera e das redes sociais com o renovado propósito de reafirmar que a candidatura de Sampaio da Nóvoa germina em solo exterior ao das coutadas partidárias, buscando entrosar dinâmicas sociais conducentes à reformatação da visão política. Uma reformatação da acção política na dupla dimensão do imaterial e do material.

Afirmar que esta candidatura foi “fabricada por meia dúzia de maiorais” de um partido, seja ele qual for, é esgrimir usando a mais pura mentira. Ora, a mentira – questão filosófica maior -, essa sim, qual vírus incontroladamente replicado, é que alastra no interior do corpo da Democracia, causando grave lesão, semeando patologia e dando perigosíssimo e humilhante sinal da degradação da nossa vida pública. Os utilizadores da mentira, como o criticador/comentador que aqui me trouxe, fazem com que a análise política fique despida de moral. 

João Maria de Freitas-Branco

Caxias, 1 de Maio de 2015

quinta-feira, 30 de abril de 2015

1 de Maio de 1975


REVELAÇÕES SOBRE O HISTÓRICO 1º DE MAIO DE 1975

Amanhã [hoje, sexta-feira], dia do Trabalhador, a RTP/Antena 1 vai transmitir, logo após o noticiário das 10h da manhã (com repetição às 23h), um programa de rádio, realizado pela conceituada jornalista Ana Aranha, sobre o 1º de Maio de 1975, data que constituiu um marco na história do Portugal contemporâneo, em virtude dos acontecimentos ocorridos durante essa jornada. Sou um dos participantes no programa, na boa companhia do Joaquim Vieira (biógrafo de Mário Soares) e de Américo Nunes, antigo dirigente da Intersindical. Estava prevista a participação do Dr. Mário Soares, principal protagonista dos acontecimentos que vão ser debatidos, numa perspectiva historiográfica, tendo por objectivo o aprofundamento do conhecimento de alguns acontecimentos que estiveram na base da construção da 2º República. Quatro décadas depois resolvi revelar publicamente um conjunto de factos ainda desconhecidos.

Convido todos os Amigos, principalmente os que se interessam por História, a acompanharem amanhã a referida emissão radiofónica da Antena 1.

Trata-se de uma “Emissão Especial Antena 1: 1º de Maio de 1975”, um programa de Ana Aranha.

 

Publicado no FACEBOOK, no dia 30 de Abril de 2015.

terça-feira, 24 de março de 2015

Esclarecimento sobre a minha posição política nas eleições presidenciais


Quando hoje entrei no Facebook quase me assustei. Não me passou pela cabeça que o simples gesto de reencaminhar a notícia da sessão de apresentação de uma candidatura pudesse motivar as reacções que aqui vim encontrar. A Helena Pato fala do meu “entusiasmo”. Entusiasmo? Desculpa Lena, mas não me parece que a palavra se aplique. Vou tentar esclarecer tudo. Mas apresso-me já a tranquilizar (espero!) a Irene, a Lena, o Rui Nery, o Rui Andrade, queridas(os) Amigas(os) reais e não apenas virtuais (facebookianos) –, e faço-o com a seguinte declaração solene: sou apoiante inequívoco de outro candidato, pessoa que ainda não anunciou a sua candidatura e cujo nome, apenas por isso, aqui não cito nem devo citar. O Henrique Neto tem conhecimento dessa minha clara escolha política desde a primeira hora. Esse facto, no entanto, julgo eu, não me impede de considerar o Henrique Neto um digno candidato. Convirá não confundir coisas distintas. Uma coisa é considerar que fulano é a pessoa mais indicada para ocupar o cadeirão de Belém; outra, totalmente diferente, é achar que sicrano merece ser candidato embora eu não o apoie. Posso ajudar a viabilizar uma candidatura mas não votar nesse candidato, não participar na sua campanha eleitoral, não subscrever o programa político, etc. Posso ser movido, por exemplo, por uma profunda e sincera amizade pessoal, pela consideração que o sujeito em causa me merece, independentemente da quantidade de divergência política que possa existir num quadro de sã convivência democrática. É que, acreditem, não sou mesmo apologista de candidaturas únicas, filhas do pensamento único. Defendo exactamente o oposto: a riqueza da diversidade. Por isso, na base deste raciocínio lógico, até podia ajudar a noticiar e a concretizar a candidatura de alguém que fosse meu claro adversário político mas simultaneamente meu Amigo, merecendo-me o maior respeito e consideração. Posso estimar um ser humano sem estimar o seu ideário político – quem conheça o meu círculo de amigos, no decorrer da vida, não terá dificuldade de encontrar exemplos demonstrativos desta realidade. No entanto, disso não é exacto exemplo o caso vertente.

Isto nos conduz a outra questão.

Pode ser cegueira minha, mas no contacto pessoal que até hoje tive com o Henrique Neto nunca observei o “direitismo” referido pela Irene e pelo Rui… Como é do conhecimento público, sou, tal como o próprio H.Neto, co-fundador do MDR, movimento cívico que tem como único objectivo alterar a lei eleitoral de modo a pôr fim ao despautério da partidocracia, com listas de candidatos impostos de cima para baixo pelas cúpulas partidárias. Tenho trabalhado com ele no âmbito deste movimento e, na base dessa experiência, só posso considerá-lo um homem de esquerda, mas também uma pessoa séria, integra, que ao longo de toda a vida se movimentou politicamente entre o PCP e a chamada “esquerda do PS”. Recordo que o H.Neto começou a trabalhar aos 14 anos(!) como operário, que pertence a uma família de operários da indústria vidreira da Marinha Grande, foi militante do PCP e já depois, aos 40 anos d idade, tornou-se empresário, criando a bem sucedida Iberomoldes (empresa de dimensão internacional, que foi considerada, no seu sector, uma das principais do mundo). Em vários momentos teve a coragem de denunciar o jogo de interesses no interior da Assembleia da República, actos de corrupção, assim como criticou de forma desassombrada a direcção socratista (recuso-me a escrever socrática) do seu próprio partido. Comportamento incomum que me merece consideração.

Última questão: embora não vá votar H.Neto, nem o vá apoiar na campanha eleitoral, aprecio na sua candidatura o esforço para que a Presidência da República não esteja «condenada a ser uma mera extensão da representação partidária». Além disso, como candidato, H.Neto continuará a bater-se por uma causa que em conjunto abraçámos; a já referida mudança da lei eleitoral. Também reconheço nesta candidatura um esforço de moralização da vida política, de combate à corrupção (elemento incompatível com a democracia autêntica). Uma prioridade absoluta. A relação pessoal e este conjunto de concordâncias farão com que eu esteja presente na sessão da próxima quarta-feira, embora seja apoiante de outra candidatura que em devido tempo virá a ser anunciada.

Terei sido claro? Terei conseguido tranquilizar os Amigos comentadores? Espero que sim.

A todos agradeço os comentários aqui deixados. Agradeço principalmente à Irene, à Lena, aos dois Ruis (Nery e Andrade) porque com as suas palavras me ajudaram a consciencializar os equívocos involuntariamente por mim semeados. Se foram levados a ver, a pensar, a sentir o que aqui expressaram, a responsabilidade (a culpa, como é uso dizer-se em espaço de influência católica) só pode ser minha e de mais ninguém.  

Agora, tenho que o dizer já, é inevitável que depois do aqui afirmado fique a pairar uma tremenda dúvida: será que me vão trucidar quando souberem quem é de facto o meu candidato? Quando ficarem a conhecer quem é a pessoa em quem vou votar, que vou apoiar activamente durante a campanha eleitoral e com quem até já estou a colaborar? Será que vou voltar a desiludi-los? Fiquemos por enquanto neste suspense…

Beijos e abraços!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O meu ministro das finanças


Nunca pensei que a leitura de um texto redigido por um ministro das finanças me pudesse despertar sentimento de verdadeira felicidade, me pudesse empolgar e até comover. Mas aconteceu. Foi quando há poucos instantes li o artigo de Yanis Varoufakis publicado no New York Times e que me foi enviado, já traduzido, pelo meu esplêndido Amigo António Gomes Marques. Aqui o deixo agora aos meus amigos do Facebook na esperança que sintam o que eu senti: satisfação, entusiasmo, comoção, admiração. Sinto-me cada vez mais SYRIZA. Será que um cidadão português se pode inscrever neste partido grego? Sugiro à Direcção do Syriza que crie a possibilidade estatutária de acolher a inscrição de membros-simpatizantes de todas as nacionalidades, com cotização voluntária. Julgo que seria uma boa forma de financiamento. Estou em crer que, como eu, existam milhares de cidadãos europeus desejosos de acudir ao Syriza, porque ajudar essa audaz força política é ajudar a salvar a Europa, a União Europeia solidária, progressista, civilizadora. É a solução racional do grande Imannuel Kant!, tão oportunamente referenciado por Yanis Varoufakis, cujo artigo total e entusiasticamente subscrevo. Quando é que na minha Pátria poderei aplaudir um ministro das finanças com o entusiasmo com que hoje aplaudo este lúcido grego? Um ministro das finanças com cultura filosófica, que lê e admira o Kant! Obrigado Yanis, e coragem!
Viva o SYRIZA!
 
João Maria de Freitas-Branco
18 de Fevereiro de 2015

 

ARTIGO DO NEW YORK TIMES:

 

Não há tempo para jogos na Europa

 

ATENAS— Escrevo este artigo à margem de uma negociação crucial com os credores do meu país — uma negociação cujo resultado poderá marcar uma geração, e tornar-se mesmo um ponto de viragem quanto aos efeitos da experiência da Europa com a união monetária.

Teóricos dos jogos analisam negociações como se elas fossem jogos de divisão de bolos em que participam jogadores egoístas. Por ter, na minha vida anterior, na qualidade de académico, estudado durante muitos anos a Teoria dos Jogos, alguns comentadores precipitaram-se a concluir que, na qualidade de ministro das Finanças grego, estava a conceber bluffs, estratagemas e outras opções, tentando obter uma posição de vantagem apesar de dispor de um jogo fraco.

Nada podia estar mais longe da verdade.

Quando muito, o meu passado de Teoria dos Jogos convenceu-me de que seria uma completa loucura pensar nas actuais deliberações entre a Grécia e os nossos parceiros como um jogo de regateio a ser ganho ou perdido através de bluffs e subterfúgios tácticos.

O problema da Teoria dos Jogos, como eu costumava contar aos meus alunos, é o de assumir como dado adquirido os motivos dos jogadores. No poker ou no blackjack, esta premissa não é problemática. Contudo, nas actuais deliberações entre os nossos parceiros europeus e o novo governo grego, aquilo que se pretende no fim de contas é forjar novos motivos. Criar uma nova mentalidade que transcenda divisões nacionais, dilua a distinção credor-devedor em prol de uma perspectiva pan-europeia e que ponha o bem comum europeu acima da mesquinhez política, dogma nocivo se generalizado, e da mentalidade nós-contra-eles.

Como ministro das Finanças de uma pequena nação, com enormes restrições orçamentais, sem um banco central próprio e vista por muitos dos nossos parceiros como devedor problemático, estou convencido de que temos uma única opção: afastar qualquer tentação de tratar este momento decisivo como um ensaio estratégico e, em vez disso, apresentar honestamente os factos da economia social grega, apresentar as nossas propostas para que a Grécia volte a crescer, explicando os motivos pelos quais elas são do interesse da Europa, e revelar as linhas vermelhas que a lógica e o dever nos impedem de ultrapassar.

A grande diferença entre este governo grego e o anterior tem duas vertentes: estamos determinados a combater interesses para dar um novo impulso à Grécia e conquistar a confiança dos nossos parceiros e estamos determinados a não ser tratados como uma colónia da dívida que deve sofrer aquilo que for necessário. O princípio da maior austeridade para a economia mais deprimida seria pitoresco, se não causasse tanto sofrimento desnecessário.

Frequentemente, perguntam-me: e se a única forma de assegurar financiamento for ultrapassar as linhas vermelhas que estabeleceu e aceitar medidas que considera serem parte do problema e não da solução? Fiel ao princípio de que não tenho direito a fazer bluff, a minha resposta é: as linhas vermelhas não serão ultrapassadas. De outra forma, não seriam verdadeiramente vermelhas, seriam um mero bluff.

E se tudo isto trouxer muito sofrimento ao seu povo? Perguntam-me. Está, certamente, a fazer bluff.

O problema desta linha argumentativa é o de partir do princípio, de acordo com a Teoria dos Jogos, de que vivemos numa tirania de consequências. Que não há circunstâncias nas quais devemos fazer o que é correcto, não como estratégia, mas por ser…correcto.

Contra este cinismo, o novo governo grego irá inovar. Iremos cessar, independentemente das consequências, acordos que são errados para a Grécia e errados para a Europa. O jogo do “adiar e fingir”, que começou depois de o serviço da dívida pública grega não poder ter sido cumprido em 2010, vai acabar. Acabaram-se os empréstimos – pelo menos, até termos um plano credível de crescimento da economia para pagar esses empréstimos, ajudar a classe média a recuperar e resolver as terríveis crises humanitárias.  Acabaram-se os programas de “reforma” que se dirigem aos pobres pensionistas e a farmácias familiares e mantém intocável a corrupção em grande escala

O nosso governo não está a pedir aos nossos parceiros uma solução para pagar as dívidas. Estamos a pedir alguns meses de estabilidade financeira que nos permita criar reformas que uma extensa camada da população grega possa assumir e apoiar, para podermos voltar a ter crescimento e acabar com a nossa falta de capacidade de pagar as nossas dívidas.

Pode pensar-se que esta retirada da Teoria dos Jogos é motivada por uma qualquer agenda de esquerda radical. Nem por isso. Aqui, a maior influência é Imannuel Kant, o filósofo alemão que nos ensinou que a saída racional e livre do império da conveniência é fazer aquilo que é correcto.

Como sabemos que a nossa modesta agenda política, afinal de contas a nossa linha vermelha, em termos kantianos, é a correcta? Sabemos, olhando nos olhos dos esfomeados nas ruas ou contemplando a pressão sobre a nossa classe média, ou considerando os interesses dos diligentes trabalhadores de cada aldeia, vila e cidade na nossa união monetária. No fim de contas, a Europa só recuperará a sua alma quando recuperar a confiança das pessoas, pondo os interesses delas na linha da frente.

Yanis Varoufakis é o ministro das Finanças da Grécia. Publicado no New York Times