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sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Sampaio da Nóvoa: o Candidato, o PS e as Eleições



João Maria de Freitas-Branco

 

SAMPAIO DA NÓVOA: o Candidato, o PS e as Eleições

-- uma reflexão breve sobre o momento político --

 

Como é do conhecimento público, sou, desde a primeira hora, apoiante da candidatura de António Sampaio da Nóvoa – um apoiante activo, militantemente envolvido na campanha e membro da Comissão Nacional de Candidatura. Isso em nada me impede de reconhecer a inteligência crítica presente em algumas intervenções públicas, como, por exemplo, no sério comentário do meu amigo e grande activista Henrique Sousa, assim como opiniões como a hoje expressa na manchete do jornal PÚBLICO (edição de 7/8/15). Reacção talvez causada por uma forma de dizer, usada, nomeadamente, na muito citada entrevista radiofónica de António Sampaio da Nóvoa no programa Terça à Noite, da Rádio Renascença, que pode ter dado a entender algo que não corresponde de facto ao sentimento político do candidato a Presidente da República que merece o meu franco apoio. Num singelo esforço de esclarecimento, estou em condições de afirmar aqui, peremptoriamente, e uma vez mais, que a candidatura de Sampaio da Nóvoa germinou em terreno exterior ao espaço político-partidário e continuará sempre a desenvolver-se nesse espaço; ou seja, é uma candidatura independente dos partidos e nunca deixará de o ser. Mas não é uma candidatura contra os partidos nem hostil a um partido como aquele que foi referido na entrevista do programa da Rádio Renascença, gerando alguma controvérsia. Os próximos actos eleitorais que vão ter lugar na nossa violentada Pátria, legislativas e presidenciais, são os mais importantes da história da Democracia de Abril, da nossa 2ª República. Penso até que em conjugação com a intervenção austeritária – as políticas imorais impostas pela Troika e pelo subserviente governo PSD/CDS – as próximas eleições (legislativas e presidenciais) irão constituir um marco histórico, perfilando-se como momento fundador da 3ª República portuguesa ou de uma nova época não democrática. Estamos a viver uma fase decisiva, depois do golpe de estado perpetrado pelo Eurogrupo na Grécia e após a estruturação da Ditadura financeira na ainda chamada União Europeia, sob a batuta do meu bem conhecido Wolfgang Schäuble, no passado dia 12 (ou 13) de Julho. A suspensão da Democracia na Europa impõe nova e enérgica táctica política por parte das forças de esquerda. A Ditadura financeira obriga a uma mudança no plano da acção prática interventiva. É urgente repensar o modo de actuar a partir da esquerda.

Ao contrário do que tem sido afirmado por muitos comentadores, o processo eleitoral para a Presidência da República está a ser politicamente muito mais relevante do que a campanha para as legislativas, porque tem transportado consigo mais novidade, mais elementos de ruptura, mais densidade de ideias, mais qualidade problematizadora, maior elevação cultural, intelectual e moral. Isso deve-se principalmente à qualidade humana e ao perfil de pessoas como António Sampaio da Nóvoa ou Henrique Neto (os dois principais candidatos reais ou efectivos, não putativos) que contrastam com a imagem do político kitsch que para desgraça nossa e do país tem dominado a ribalta da cena política nacional e europeia nestes últimos anos – deficientes morais, gente tão incrivelmente menor como aqueles ministros que compram cursos em universidades de duvidosa reputação ou os altos responsáveis da União Europeia que apresentam teses universitárias plagiadas para celeremente adquirirem títulos académicos e currículo. Expurgar a vida política desse kitsch, varrer esse lixo imoral que a cada instante nos insulta, nos agride, nos revolta, nos indigna e escandaliza é absoluto imperativo da acção cívica que engloba os dois processos eleitorais em curso no nosso espaço pátrio – mas também em outros torrões do velho continente. O poder, cá e em demasiados cantos da Europa, não pode permanecer na mão de gente que apequena, de seres que são agentes da mentira, da indecência, da menoridade. A mentira (velha e profunda questão filosófica) é um problema central da vida sociopolítica do nosso mundo hodierno. Indicador claro daquilo que não me canso de gritar: o grande problema do mundo contemporâneo é de natureza Cultural. E o que acima de tudo está em causa é uma escolha entre o que apequena e o que engrandece, entre o que nos puxa para cima e o que nos empurra para baixo, entre Verdade e Mentira (o kitsch), entre a Liberdade servidora da Vida e a Dependência servente da Morte, sendo esta (a dependência mortífera) o que nos amarra ao medo, à estupidez e à menoridade de que Kant nos falou, e aquela o oposto disto, como nos explicou um outro filósofo de igual calibre mental, mas com costela lusitana, chamado Bento Espinosa. É isto que verdadeiramente está em jogo. Não se deixem ir na cantiga matraqueada do deficit económico-financeiro; o deficit que verdadeiramente importa é o de Elevação. Questão de Cultura e não de finanças. O voto em António Sampaio da Nóvoa é um voto que concorre para a superação desse deficit essencial.

Discordo em absoluto da tese que volta a ser reafirmada na edição de hoje do jornal PÚBLICO, num extenso trabalho jornalístico não assinado, deixando supor que é a posição da direcção editorial desse periódico de referência no quadro da nossa comunicação social. A dita tese, subscrita por muitos comentadores, por fazedores de opinião e até por membros da própria candidatura de Nóvoa, pode enunciar-se nos seguintes termos: só pode ganhar uma eleição presidencial quem tiver o apoio de um grande partido político representativo da tradição do regime; assim sendo, dada a tese como demonstrada, Sampaio da Nóvoa jamais será Presidente da República se não contar com o apoio do PS. Quem advoga esta visão parece-me não estar a percepcionar a quantidade de mudança que está a ocorrer no universo político e na generalidade das sociedades europeias. Os partidos tradicionais são realidades cada vez mais tóxicas. Eleitoralmente tóxicas. As próximas eleições presidenciais representam uma mudança profunda, aliás já sinalizada em eleições anteriores (os casos Nobre e Alegre, na primeira candidatura, foram os primeiros sintomas nítidos). Que mudança é essa? Em que consiste? No seguinte: a emergência da figura do candidato independente como elemento visivelmente dominante. Dito de forma mais prosaica, é o fim ou a decadência do cozinhado partidário de candidatos, da panela condimentada, bem temperada e aquentada, com maior ou menor brandura, num qualquer largo, seja o do Rato ou outro. Até o putativo candidato Marcelo Rebelo de Sousa é, no fundamental, uma figura que se apresenta como sendo independente, mesmo sabendo-se da sua filiação e mesmo que venha, ou viesse, a ser formalmente apoiado pelo PSD e pelo CDS. Na realidade, ele é olhado pelo eleitor como candidato não partidário e, se calhar, pelas características idiossincráticas do ser humano em questão, até será sujeito não partidarizável, ou seja, impossível de partidarizar. Causa maior do evidente distanciamento que as actuais direcções partidárias direitistas têm cultivado com abundância em relação ao Professor. O clássico horror ao vazio não afecta os partidos, mas o horror à imprevisibilidade e à indocilidade é-lhes endógeno.

Para além do que acabo de afirmar, seja-me permitido alertar para o facto de a enunciada tese estar carenciada de autêntica demonstração, racionalmente fundada. Nisso reside o primeiro motivo da minha discórdia ou, no mínimo, da minha forte desconfiança em relação à sua efectiva validade. Seja-me permitido recordar que Manuel Alegre obteve melhor resultado eleitoral quando se candidatou sem apoios partidários do que quando contou com o apoio expresso de dois partidos com assento parlamentar (PS e BE). Agora, após todos estes anos em que o inquilino do Palácio presidencial foi um servo da indecente governação austeritária, é natural e bem provável que o cidadão eleitor tenha ainda maior apetite de independência. Além do mais, e não menos relevante, na minha óptica, é o facto de qualquer candidato honesto sentir o imperativo inadiável de reconquistar a participação cidadã, fazendo de cada adulto português um autêntico cidadão praticante, como gosto de dizer. Por outras palavras: qualquer candidato que, como António Sampaio da Nóvoa, se distinga pela sua seriedade, deseja trabalhar incansavelmente para trazer de volta à vida política, à acção cívica interventiva e consequente, todos aqueles milhões de cidadãos abstencionistas que nas últimas presidenciais constituíram a maioria absoluta (52%!). Esse esforço, que é obrigação ética do candidato, ao que tudo indica não tem muito a ganhar com a proximidade de coisas que não expedem confiança. Partidos, como o PS, que têm frequentado os corredores do poder nas últimas décadas incluem-se nesse grupo de coisas. Infelizmente. Daí que a independência seja um factor de higiene muitíssimo aconselhável, para já não dizer desejável. E é com independência que «precisamos de construir a participação de todos na vida pública» como, por feliz coincidência, acabou de dizer o meu candidato, António Nóvoa, em intervenção pública feita enquanto eu já estava entregue a este labor de escrita.

Também não vejo que haja motivo para as ansiedades referidas na análise jornalística hoje publicada, quando no próprio texto opinativo se dá a conhecer que no interior da direcção do Partido Socialista há significativo número de indivíduos defensores de um apoio oculto à candidatura de Rui Rio (!). Terá um candidato assumidamente de esquerda que se preocupar com o apoio de gente de direita que por equívoco ou oportunismo persiste em estar inscrito num partido que ostenta no nome o vínculo ao Socialismo? Para entender estas desavergonhadas contradições, para perceber o escandaloso silêncio do SPD perante a prática antidemocrática de Schäuble, o decaimento dos partidos socialistas/sociais-democratas/trabalhistas, ou a falta de nervo do PS cá da casa, deploravelmente ancorado na inacção perante gestos democraticamente inadmissíveis como o do Sr. Martin Schulz na véspera do referendo na Grécia, se quiserem perceber o que se passou e nos conduziu a este lamentável estado de empobrecimento (cultural, moral, político, intelectual, económico), recomendo que vejam o magnífico filme-documentário “O espírito de 45”, realizado por Ken Loach e posto ontem à venda no mercado português (edição em DVD).

Espero que a candidatura de António Sampaio da Nóvoa possa contribuir para puxar para o terreno da verdadeira alternativa política ao austeritarismo antidemocrático um partido como o PS, com a importância que inegavelmente tem na nossa sociedade. Cabe aos partidos que se opõem à actual política governamental, ao austeritarismo imoral, decidirem livremente quem são os candidatos que desejam apoiar nas eleições presidenciais. O candidato António Sampaio da Nóvoa nunca irá bater à porta de nenhum partido com um pedido de apoio. A independência é e será sempre um pilar essencial desta candidatura. 

«Eu nunca, em momento nenhum, fiz apelos ou desafios a quem quer que seja, ao partido, seja qual for, para que se pronuncie ou deixe de se pronunciar. Eu respeito o tempo dos partidos, têm a sua lógica própria, as suas estratégias, as suas dinâmicas",
António Sampaio da Nóvoa, declaração proferida em Tomar, no passado mês de Julho.

 

João Maria de Freitas-Branco

Caxias, 7 de Agosto de 2015

 

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Militância antidogmática

Não foi por mera casualidade que aqui coloquei (Facebook), no agora já findo mês de Julho, um curto mas precioso documento audiovisual em que o filósofo inglês Bertrand Russell nos lega dois sábios recados, um de natureza intelectual outro de teor moral. O actual “caso Grécia”, de que tanto do nosso existir depende, tem trazido à ribalta variegadas utilidades, sendo uma delas o tornar evidente, mais nítido ou, na pior das hipóteses, menos disfarçado um conjunto de fenómenos/verdades que nos afectam enquanto andamos nesta azáfama do viver. Anoto aqui dois deles, por estarem inter-relacionados: 1) a extinção da Democracia, da autêntica, no interior da ainda chamada União Europeia, visivelmente governada por inimigos dela – Democracia autêntica –, dominada por gente consequentemente hostil à racionalidade crítica, à atitude céptica e crítico-tolerante caracterizadora do espírito científico; 2) o dogmatismo e o sectarismo de esquerda são os melhores aliados da governação de direita e do esforço para a sua perpetuação, semeando compreensível sorriso no rosto dos agentes do poderio. Por cá, os senhores do pensamento político e da prática (des)governativa-sem alternativa, que encabeçam a coligação eleitoral PSD/CDS, adoram esses seres que encarnam a esquerda imaculada, a pureza comunista, que são os sacerdotes laicos do cânone político de esquerda. Tenho observado a franca alegria com que os cidadãos direitistas têm acolhido o recente fenómeno, espoletado pelo “caso Grécia”, da renovada proliferação dessa “pureza” dogmática. Dito isto, e com a memória posta nas lúcidas recomendações de Russell que aqui depositei no passado dia 27, apetece-me citar uma frase do grande Tchékhov que me foi trazida há bem pouco pelo meu muito estimado amigo-escritor Mário Carvalho (Amigo solidamente real, embora também aqui virtual, neste espaço do Face). Cito dando-me à liberdade de fazer pequeno acrescento assinalado com o auxílio do itálico. Então, aqui vai a frase do grande russo: «A arrogância dogmática e sectária é uma qualidade que fica bem aos perus».

[Texto inicialmente publicado na minha página do Facebook, no dia 5 de Agosto de 2015]