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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Deslumbrante e maravilhosamente Belo


DESLUMBRANTE
E
MARAVILHOSAMENTE BELO

 

Haverá na língua de Camões, ou em qualquer outra, adjectivação suficientemente expressiva para se adequar ao acontecimento que inscreve este dia 11 de Fevereiro de 2016 na história da ciência? Talvez não haja. Na dúvida, para titular o que agora aqui escrevo, arrisquei o uso do adjectivo “deslumbrante” acrescido de outra forma adjectivante adverbialmente realçada.

No momento em que festejamos o centenário da Relatividade geral não podia haver melhor presente de aniversário nem superior forma de homenagem do que a notícia acabada de ser anunciada ao mundo pelo Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, uma colaboração científica internacional mais conhecida pela sigla LIGO. «Conseguimos!!» Foi com esta triunfante exclamativa ,bem temperada com rasgados sorrisos que o cientista David Reitze, do Caltech, deu a conhecer ao mundo que tinham sido detectadas pela primeira vez as ondas gravitacionais que há cem anos Albert Einstein afirmara existirem, mas que até agora nunca tinham sido observadas, fazendo com que a teorização einsteiniana permanecesse carenciada de prova experimental.  

Um cidadão anónimo desabafava há instantes no site de um órgão de comunicação social dizendo mais ou menos isto: se nem uma notícia como esta afasta os comentários idiotas, acho que não existe esperança para a nossa espécie. Compreendo a angústia perante a indigência intelectual da habitual chuva de comentos nos sites dos jornais, nas redes sociais ou pelas ruas e praças das nossas urbes. É facto notório estar a nossa existência quotidiana repleta de manifestações dessa indigência, e escasso tempo antes de receber a extraordinária notícia suportei eu próprio a estupidez, a tacanhez, a imbecilidade exibidas por um sujeito sentado bem diante de mim durante fastidiosa reunião de trabalho. Mas mesmo assim não consigo concordar com o pessimismo expresso pelo anónimo cidadão que citei. Pode ser excesso de optimismo da minha parte, mas é a própria notícia que o inspira, que o promove. Vejamos: não foi mente humana a que teorizou as ondas gravitacionais agora detectadas? Não é isso algo de absolutamente extraordinário? Como pôde um ser humano, na solidão do seu gabinete de trabalho, diante de umas folhas de papel, com uma simples caneta na mão, sem possuir nenhum dado empírico que sugerisse a hipótese do fenómeno e sem qualquer outro tipo de indícios, como pôde esse ser humano, fazendo uso das suas capacidades mentais chegar a conclusão científica tão sumptuosa, tão esplêndida e tão bela? Bela não apenas na descrição visionária mas também no seu rígido enunciado matemático. Como é isso possível? Como é possível uma tão assombrosa realização mental?

 Podemos, em rigor, ainda não saber o “como”. Contornamos a dificuldade socorrendo-nos amiúde de termos pouco precisos, de difícil definição, como sejam “génio”, “genialidade”, “talento”. Porém, acabámos de saber que foi possível. É deslumbrante! E bem real! Um ser humano, invulgar, muitíssimo singular, é certo, mas ainda assim humano (até prova em contrário), logrou construir uma visão teórica, conseguiu, no mais puro espaço da abstracção imaginativa racional, arquitectar a teorização de umas ondas gravitacionais que agora, decorrida toda uma centúria, pudemos finalmente observar no universo físico.

O mais abstracto discurso era afinal o mais real. Espantoso paradoxo: quanto mais se afastava da realidade empírica, mais o bom Albert se aproximava da compreensão da realidade física, da verdade do real. Aproximava-se afastando-se. Devia isto servir de definitiva lição para todos aqueles que perseveram na imbecilidade da desconsideração pelo esforço teorético, pelo valor da criação teorizadora.

Perante a evidência experimental hoje anunciada, demonstrativa de que a mente do homo sapiens Albert Einstein, bem como a inteligência e a imaginação que dela generosamente brotavam, foi capaz de tão grande feito, parece-me difícil não experimentar algum optimismo e não depositar alguma esperança na nossa espécie – pelo menos em alguns dos seres que a compõem.

Mas há mais. Mais alimento para essa confiança na mente humana e na inteligência que ela pode transportar. É que o agora noticiado é fruto de um admirável e pasmoso trabalho científico-tecnológico colectivo que permitiu à civilização humana dispor a partir deste momento dos meios técnicos que permitem detectar uma deformação do espaço-tempo com a dimensão de um milésimo do diâmetro de um protão! Foi o homo sapiens que concebeu e construiu os instrumentos hipersofisticados capazes de observar o que parecia ser inobservável. Note-se ainda que essa incrivelmente ténue deformação é o efeito de um acontecimento (a junção de dois buracos negros) que ocorreu a uma distância imensa de nós, num longínquo ponto do universo, há um bilião de anos, ou seja, muito tempo antes da origem da nossa espécie.

Foi a reunião deste incrível aparato tecnológico com as admiráveis equações de Einstein, com toda a sua dimensão filosófica e estética, que permitiu a histórica observação experimental acabada de anunciar. Portentosa notícia!

Enche-me de alegria o facto de este acontecimento ter ocorrido durante o meu tempo de vida e espero que o despretensioso escritinho que agora aqui vos deixo possa concorrer para que outros fruam com mais intensidade este histórico êxito científico inaugurador de uma nova Astronomia. 

João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 11 de Fevereiro de 2016
 
NOTA: Será em breve publicado na revista VÉRTICE, no âmbito das comemorações do centenário, um texto de minha autoria sobre a relatividade geral, intitulado “Obra Oceano – A relatividade geral como expressão da concepção materialista do mundo”.