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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Oportunidade para uma lição


 

É sabido que uma evidência não é absoluta garantia de extinção da polémica. Disso nos dá prova a ruidosa discussão a que se tem assistido em torno das escolas privadas e dos chamados contratos de associação.

Que o Estado tem a obrigação de formar, manter e assegurar o competente funcionamento de uma rede escolar pública de modo a garantir uma educação base acessível a todos, ou seja, gratuita e universal, é uma evidência em qualquer país moderno, democrático, civilizacionalmente desenvolvido. No nosso caso até está consignado na Constituição da República. Evidente é também a obrigação estatal de garantir o direito de existência do ensino privado, sob variadas formas (cooperativas, colégios particulares, escolas tuteladas por instituições religiosas, etc.). Essa escola privada concorrerá lealmente com o sector público procurando conquistar alunos para os respectivos estabelecimentos de ensino, mediante a oferta de propostas/projectos pedagógicos aliciantes. Não menos evidente é a ilegitimidade e a injustiça de o Estado financiar uma pequena percentagem de escolas privadas em regiões em que o próprio Estado assegura, com o dinheiro de todos nós, uma oferta que satisfaz por completo as necessidades locais, garantindo o acesso universal e gratuito à educação básica. Se na ausência de situações de excepção (carência de oferta) o Estado optasse por continuar a financiar, com o nosso dinheiro, um conjunto minoritário de escolas privadas, estaria desde logo a incorrer numa descabelada injustiça relativamente à imensa maioria dos estabelecimentos de ensino privado (dois mil setecentos e setenta e três, segundo os dados oficialmente divulgados, que não recebem nenhum financiamento público). Teria esta maioria (97%) todas as razões para vir manifestar-se ruidosamente contra o Governo, por indecente favorecimento de uns poucos – sendo talvez instrutivo saber quem são eles, esses menos de 3% de colégios privados. E também nós, cidadãos contribuintes, deveríamos protestar com igual veemência por utilização abusiva, ilegítima e danosa do nosso dinheiro.

É evidentemente uma boa notícia para os cidadãos contribuintes saber que se reduziu de modo significativo a necessidade de recurso a turmas complementares criadas no sector privado, por efeito da conjugação das alterações demográficas com o efectivo aumento da rede de ensino público.  

Perante este conjunto de cristalinas evidências parece dever-se concluir que todo o alarido em torno da questão, que todas as discussões, debates políticos (parlamentares e não parlamentares), quezílias, etc., mais não são do que pura inutilidade e perda de tempo. Parece mas não é. Porquê? Porque esta questão oferece óptima oportunidade de fruirmos uma esplêndida lição sobre o que é ser de direita (da direita radical que governou durante os últimos anos) e o que é ser de esquerda.

Ser dessa direita de Passos Coelho e Nuno Crato é favorecer os interesses privados pondo o Estado, a riqueza pública criada pelo trabalho da generalidade dos cidadãos, ao serviço desses interesses. É fazer com que o Estado fique refém do interesse de minorias constitutivas do poderio. Essa opção político-ideológica esteve bem patente no Ministério da Educação dirigido por Nuno Crato. É exemplo paradigmático de uma gestão das finanças públicas favorecedora da degradação dos serviços públicos (neste caso, do ensino público) de forma a criar mercado para o privado, para as empresas, firmas, escolas, do sector privado. É a imoral apropriação dos dinheiros públicos, o nosso dinheiro, para os colocar na mão de privados que pertencem à mesma irmandade desses governantes. Estes exercem a governação com o essencial propósito de manter um certo poderio.

O que parecia inútil é na verdade muito útil para a educação cívica dos portugueses. Fica dada uma boa lição e com ela só não aprenderá quem não quiser.

João Maria de Freitas-Branco
12 de Maio de 2016