É sabido que uma evidência não é absoluta garantia de
extinção da polémica. Disso nos dá prova a ruidosa discussão a que se tem
assistido em torno das escolas privadas e dos chamados contratos de associação.
Que o Estado tem a obrigação de formar, manter e assegurar o
competente funcionamento de uma rede escolar pública de modo a garantir uma
educação base acessível a todos, ou seja, gratuita e universal, é uma evidência
em qualquer país moderno, democrático, civilizacionalmente desenvolvido. No
nosso caso até está consignado na Constituição da República. Evidente é também
a obrigação estatal de garantir o direito de existência do ensino privado, sob
variadas formas (cooperativas, colégios particulares, escolas tuteladas por
instituições religiosas, etc.). Essa escola privada concorrerá lealmente com o
sector público procurando conquistar alunos para os respectivos
estabelecimentos de ensino, mediante a oferta de propostas/projectos
pedagógicos aliciantes. Não menos evidente é a ilegitimidade e a injustiça de o
Estado financiar uma pequena percentagem de escolas privadas em regiões em que
o próprio Estado assegura, com o dinheiro de todos nós, uma oferta que satisfaz
por completo as necessidades locais, garantindo o acesso universal e gratuito à
educação básica. Se na ausência de situações de excepção (carência de oferta) o
Estado optasse por continuar a financiar, com o nosso dinheiro, um conjunto
minoritário de escolas privadas, estaria desde logo a incorrer numa descabelada
injustiça relativamente à imensa maioria dos estabelecimentos de ensino privado
(dois mil setecentos e setenta e três, segundo os dados oficialmente
divulgados, que não recebem nenhum financiamento público). Teria esta maioria
(97%) todas as razões para vir manifestar-se ruidosamente contra o Governo, por
indecente favorecimento de uns poucos – sendo talvez instrutivo saber quem são
eles, esses menos de 3% de colégios privados. E também nós, cidadãos
contribuintes, deveríamos protestar com igual veemência por utilização abusiva,
ilegítima e danosa do nosso dinheiro.
É evidentemente uma boa notícia para os cidadãos
contribuintes saber que se reduziu de modo significativo a necessidade de
recurso a turmas complementares criadas no sector privado, por efeito da
conjugação das alterações demográficas com o efectivo aumento da rede de ensino
público.
Perante este conjunto de cristalinas evidências parece
dever-se concluir que todo o alarido em torno da questão, que todas as
discussões, debates políticos (parlamentares e não parlamentares), quezílias,
etc., mais não são do que pura inutilidade e perda de tempo. Parece mas não é.
Porquê? Porque esta questão oferece óptima oportunidade de fruirmos uma
esplêndida lição sobre o que é ser de direita (da direita radical que governou
durante os últimos anos) e o que é ser de esquerda.
Ser dessa direita de Passos Coelho e Nuno Crato é favorecer
os interesses privados pondo o Estado, a riqueza pública criada pelo trabalho
da generalidade dos cidadãos, ao serviço desses interesses. É fazer com que o
Estado fique refém do interesse de minorias constitutivas do poderio. Essa
opção político-ideológica esteve bem patente no Ministério da Educação dirigido
por Nuno Crato. É exemplo paradigmático de uma gestão das finanças públicas
favorecedora da degradação dos serviços públicos (neste caso, do ensino
público) de forma a criar mercado para o privado, para as empresas, firmas,
escolas, do sector privado. É a imoral apropriação dos dinheiros públicos, o
nosso dinheiro, para os colocar na mão de privados que pertencem à mesma
irmandade desses governantes. Estes exercem a governação com o essencial
propósito de manter um certo poderio.
O que parecia inútil é na verdade muito útil para a educação
cívica dos portugueses. Fica dada uma boa lição e com ela só não aprenderá quem
não quiser.
João Maria de Freitas-Branco
12 de Maio de 2016
12 de Maio de 2016